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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O que esperar da #Rio+20?

Moema Miranda*

Em junho de 2012, o Rio de Janeiro sediará a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, pois ocorre vinte anos depois da famosa Eco 92, ou Rio 92, encontro que abriu um ciclo marcante de conferências da Organização das Nações Unidas (ONU). O próximo ano deveria ser o momento de uma avaliação significativa do que transcorreu desde que foram assinados no Rio de Janeiro, na ocasião, acordos e tratados relevantes, como a Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que em 1997 deu origem ao Protocolo de Kyoto; a Convenção sobre Biodiversidade (CDB); e a quase esquecida Convenção sobre a Luta contra a Desertificação.

Foto - Grupo em manifestação
Manifestações que mobilizam movimentos sociais e
parte da opinião pública devem ter expressão na Rio+20 


No entanto, a pauta oficial da Rio+20 está limitada a dois pontos: “economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” e “arquitetura institucional para o desenvolvimento sustentável”. O que explica uma agenda tão restrita diante dos desafios crescentes que a conexão entre desenvolvimento e meio ambiente impõe hoje à humanidade? O que esperar da Rio+20? O que a chamada sociedade civil organizada, que teve importante atuação na Eco 92, está fazendo diante disso?

A proposta da Rio+20 foi apresentada às Nações Unidas em 2007 pelo então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. A ideia, é bom que se diga, encontrou mais resistências do que acolhidas. As crescentes e evidentes limitações nos debates sobre mudanças climáticas – o mais famoso desdobramento da Eco 92 – já indicavam as dificuldades dos governos de chegar a acordos sobre meio ambiente. Mais ainda, as crises que se multiplicam desde 2008 colocam os governos do Norte em situação desconfortável, pressionados pelos compromissos assumidos e não cumpridos. Nesse quadro, os chamados países emergentes tampouco apresentam disposição para discutir em profundidade suas responsabilidades, ainda que diferenciadas, em relação às crises ambientais e suas consequências sociais, mesmo quando elas parecem conduzir o mundo de olhos abertos para o abismo.

Assim, um processo frágil de preparação e uma pauta de discussões limitada marcam o compromisso que foi possível nas Nações Unidas sobre a Rio+20. O anfitrião governo brasileiro tem demonstrado empenho em aumentar a relevância do encontro, desenvolvendo consultas internas e externas, buscando mobilizar chefes de Estado. Até aqui, não há certeza de quanto esses esforços serão bem-sucedidos.

Em meio ao debate oficial limitado, o acirramento das crises e as evidências dos problemas ambientais, conectados à financeirização da economia, aos modelos de produção e consumo hegemônicos, incentivam reflexões, mobilizações e lutas de resistência em todo o mundo. A Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, a crise e os protestos na Europa, manifestações na Bolívia, Equador, Índia e África do Sul questionam o sistema dominante por intermédio de formas de organização inovadoras e diversas. Mesmo no Brasil, temas como o Código Florestal e a construção de Belo Monte reúnem movimentos sociais e mobilizam parte da opinião pública. Todos esses debates e desafios ao redor do planeta devem ter expressão na Rio+20.

É sintomático que na preparação oficial para 2012 o tema da chamada economia verde tenha sido o destaque. A expressão foi apresentada num longo documento elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em 2011. Assim como “desenvolvimento sustentável” em 1992, que ganhou força ideológica e política apesar de suas ambiguidades, ou justamente por isso, “economia verde” é candidata a ser um novo marco nos debates e nas propostas alternativas. É definida pelo Pnuma como aquela capaz de “garantir o bem-estar humano e a equidade social ao mesmo tempo em que reduz os riscos ambientais e a escassez ecológica”. Mais: “Em sua expressão mais simples, a economia verde pode ser pensada como aquela que se baseia em baixo carbono, no uso eficiente dos recursos e na inclusão social”. O tripé ambiental/social/econômico do conceito de desenvolvimento sustentável é submetido a um só: o econômico.

A proposta é aplicar nos próximos dez anos 2% do PIB mundial na conversão produtiva, para garantir a economia de baixo carbono. Os documentos do Pnuma não colocam em questão os padrões de consumo ou o crescimento econômico com sua insustentabilidade manifesta. A economia verde, tal como formulada, fortalece os interesses vigentes do mercado, das grandes empresas, das corporações e da lógica desenvolvimentista. Como afirma mais uma vez o Pnuma: “O esverdeamento da economia tem o potencial de se transformar em um mecanismo de crescimento, em gerador nato de trabalhos decentes, bem como numa estratégia vital de eliminação da persistente pobreza”. Os recursos para garantir essa transição viriam do “capital ambiental”.

A fragilidade da formulação contrasta com as urgências e os desafios essenciais de redefinir um sistema que gera destruição ambiental crescente, enquanto amplia os índices de concentração de riquezas, a geração de pobreza e a desigualdade. Há uma forma de produzir e consumir, dominante no mundo, que é incompatível com os recursos disponíveis no planeta. Este é o tema: a insustentabilidade dos modos de vida orientados pelo american way of life. Já não é novidade que se os chineses consumissem como os americanos precisaríamos de sete planetas. Como não há possibilidade de ocupação de outros planetas, qual a resposta a ser dada a esse desafio? Certamente, não serão soluções tecnológicas, apenas. A maquiagem verde, à qual as grandes corporações devotam sua energia, não tem possibilidades de fazer frente ao problema, apesar de sua enorme capacidade de mobilizar os veículos de comunicação em geral.

As crises que desde 2008 ganharam dimensão cotidiana evidenciam o quanto a economia mundial ancora-se na especulação, no crescimento do consumo, principalmente na China, e no comércio de commodities. No caso do Brasil, o aumento das exportações de minerais tem sido constante, tanto quanto as exportações de outros bens primários, a ponto de economistas alertarem para os riscos de “reprimarização” da economia. Tanto no Brasil quanto no Equador e na Bolívia, os governos tendem a vincular o incremento das exportações à necessidade de garantir os programas sociais.

A equação, simplista, acaba sugerindo que não se pode redesenhar a economia e enfrentar as injustiças sociais de forma concomitante. Esse ponto merece atenção essencial no debate de uma Rio+20. A economia de nossos países segue uma lógica hegemônica de mercantilização dos recursos naturais. Os desastres ambientais atingem de forma mais violenta as populações pobres, afetando a negros e mulheres em grande escala. Ainda não houve uma crítica à altura do modelo de desenvolvimento baseado no crescimento econômico ilimitado, no consumo ilimitado dos bens da natureza. No século 21 a luta por justiça social é também, e a um só tempo, a luta por justiça ambiental.

Diante da Rio+20 oficial restrita, movimentos e organizações sociais de todo o mundo se reunirão no mesmo período da conferência no Rio de Janeiro para defender e debater uma redefinição profunda dos termos atuais do desenvolvimento. Movimentos que defendem formas alternativas e sustentáveis de produzir, consumir e compartilhar, que pregam o bem viver, e não o viver melhor, a economia do cuidado e da gratuidade; organizações que veem a necessidade de uma Rio+20 pra valer convidam a todos para a Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental. O evento, aberto e em local público, contará com debates, seminários, oficinas, atividades culturais, apresentação de projetos e experiências em prol do bem comum. Inspirada pelo Fórum Global da Eco 92, realizado no Aterro do Flamengo e talvez o primeiro encontro da sociedade civil mundial, a Cúpula dos Povos tem a esperança de poder ser um marco para a afirmação de um mundo novo.

(*) Moema Miranda é diretora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

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