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domingo, 19 de agosto de 2012

#Ciência A partícula essencial

"TEMOS UMA descoberta.” Rolf Heuer, diretor-geral do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), não tinha dúvida. Ele não deixou o espaço de manobra que os físicos muitas vezes se reservam ao fazer seus anúncios quando resumiu os resultados da busca de sua organização pelo bóson de Higgs. Estes foram apresentados em detalhe em 4 de julho por Joe lncandela e Fabiola Gianotti, líderes dos dois experimentos que procuram essa partícula fugaz.


O CMS, dirigido pelo doutor lncandela, e o Atlas, dirigido pela doutora Gianotti, são ligados aJtGrande Colisor de Hádrons (LHC), o principal equipamento do maior laboratório de física de partículas da Europa, perto de Genebra, dirigido pelo Cern. Ambos encontraram evidências conclusivas de uma partícula de tipo e massa certos para ser o Higgs. Se não for realmente o Higgs, será o maior revés para a física em um século.

Foram necessários cinco décadas, bilhões de dólares e milhões de horas-homem. Mas, finalmente, o físico britânico Peter Higgs e quatro outros indivíduos menos conhecidos – François Englert, Gerald Guralnik, Tom Kibble e Carl Hagen – podem estourar uma garrafa de champanhe. Foram eles quem, em 1964, extraíram o que veio a ser conhecido (injustamente, segundo alguns) como bóson de Higgs de fórmulas em que trabalhavam para solucionar um problema da teoria quântica. Outro cooriginador, Robert Brout, morreu em 2011.

A descoberta dá os retoques finais no Modelo-Padrão, a melhor explicação dada até hoje para o funcionamento do universo, exceto no campo da gravidade, que é governado pela teoria geral da relatividade. O modelo inclui 17partículas. Dessas, 12 são férmions, como os quarks (que se fundem aos nêutrons e prótons nos núcleos atômicos) e elétrons (que giram em torno dos núcleos).

Eles formam a matéria. Outras quatro partículas, conhecidas como bósons de calibre (gauge), transmitem forças e assim permitem que os férmions interajam: os fótons transmitem eletromagnetismo, que mantém os elétrons em órbita ao redor dos átomos. Os glúons ligam os quarks aos prótons e nêutrons através da força nuclear forte. Os bósons W e Z carregam a força nuclear fraca, responsável por certos tipos de decomposição radioativa. E depois há o Higgs.

O Higgs, embora seja um bóson (o que significa que tem um valor particular de uma propriedade da mecânica quântica conhecida com spín), não é um bóson de calibre. Os físicos não definem se ele transmite força, mas dizem que dá massa às outras partículas. Duas das outras 16, o fóton e o glúon, não têm massa. Mas sem o Higgs, ou algo parecido, não se pode explicar de onde vem a massa das outras partículas.

Para os férmions isso não importa muito. As regras do Modelo-Padrão permitiriam que a massa fosse atribuída a eles sem mais explicações. Mas o mesmo truque não funciona com os bósons. Na ausência de um Higgs, as regras do Modelo- Padrão exigem que os bósons sejam sem massa. OW e o Z não são. Eles são muito pesados na verdade, quase cem vezes mais que os prótons. Isso torna o Higgs a pedra angular do Modelo-Padrão. Coloque-a no lugar certo e a estrutura permanece de pé. Tire-o, e ela desmorona. Não admira que os físicos estivessem impacientes.

Há vários motivos pelos quais levou quase meio século para se agarrar o Higgs. Para começar, a teoria sugere que a massa da própria partícula (que ela obtém interagindo consigo mesma) deveria ser enorme. Já que, como demonstrou AIbert Einstein, energia e massa são a mesma coisa, uma partícula pesada exige mais energia para ser produzida. Isso significava máquinas maiores, mais poderosas e caras, como o LHC, que causa o choque de prótons que viajam em direções opostas em um túnel circular de 27 quilômetros de circunferência. Para complicar as coisas, o Modelo- Padrão não define quanto um Higgs deveria pesar, e, por isso, os físicos tiveram de examinar um amplo leque de massas possíveis. Isso signifícou ter de peneirar entre milhares de trilhões de colisões.

Eles tampouco procuravam propriamente o Higgs. Os bósons de Higgs são tão instáveis que nunca podem ser observados diretamente. OAtlas e o CMS, que se situam em lados opostos do anel do LHC, são projetados para detectar padrões de partículas observáveis nas quais, segundo a teoria, o Higgs deveria se decompor. Infelizmente, esses padrões não são específicos do Higgs. Outros processos subJfômicos produzem traços semelhantes.

Os experimentos não poderiam, portanto, simplesmente identificar um sinal do Higgs. Em vez disso, eles procuraram um excesso de possíveis sinais, representando uma fração da porcentagem acima daquela que seria esperada se o Higgs não fosse real. Ambos o encontraram com uma massa de cerca de 125 gigaeletronvolts, nas unidades arcanas usadas para medir o peso das partículas subatômicas. Com uma chance em 3 milhões de ser uma flutuação aleatória, as descobertas não deixam lugar para dúvidas. Uma nova partícula foi observada.

O passo seguinte é certificar-se de que é realmente o tipo de Higgs que os inventores imaginavam. Embora o Modelo-Padrão diga pouco sobre o peso que os Higgs devem ter, é bastante específico sobre como a massa afeta o modo como eles se decompõem. Medindo as proporções dos diferentes modos de decomposição observados, e comparando- as com essas previsões, deveria mostrar se a partícula recém-descoberta é a variedade comum do Higgs sonhada resultado final são previsões absurdas, em 1964, ou algo mais exótico.

Aqui os dados são mais confusos. Algumas decomposições observadas, em particular uma em que o Higgs se transforma em dois fótons, surgem com maior freqüência do que deveriam segundo o Modelo-Padrão, embora isso ainda possa ser provado como um caso estatístico.

Para muitos físicos, um Higgs exótico seria boa noticia. Apesar de toda a sua proeza explanatória, o Modelo-Padão não pode ser a ultima palavra em física. Um Higgs monótono reforçaria essa venerável teoria, mas ofereceria poucas pistas quanto ao que poderia substitui-la.

Um problema é que cerca de 20 constantes sejam exatamente  o que são até uma confortável 32 casa decimal. Inserindo-se valores diferentes, o resultado final são previsões absurdas, como fenômeno que ocorrem com uma probabilidade maior que 100%.

A natureza poderia se mostrar tão meticulosa, é claro. Mas os físicos aprenderam a assumir a necessidade dessa sintonia fina, como são conhecidos no jargão os cálculos de precisão, como um sinal de que falta algo importante em sua imagem do mundo.

Um modo de olhar além do Modelo-Padrao é questionar a posição do Higgs como partícula elementar. Segundo uma ideia chamada technicolor, se ele fosse feito de novos tipos de quanks mantidos juntos por uma nova interação, semelhante, mas diferente da foca forte, a necessidade de sintonia fina desaparece.

Alternativamente, o Higgs pode manter sua condição elementar, mas ganhar irmãos. Essa é uma conseqüência cia de uma ideia chamada supersimetria, ou “susy” para encurtar. Assim como todas as partículas conhecidas da matéria têm versões em antimatéria no ModeloPadrão, no mundo de susy todo bóson conhecido, inclusive o de Higgs, tem um ou mais parceiros férmion, e todo férmion conhecido tem um ou mais bósons associados.

Crucialmente, ambas as teorias têm uma vantagem sobre muita coisa que o Modelo-Padrão deixa sem resposta. Por que o universo é cheio de matéria e não de antimatéria, por exemplo? Ou por que forças fundamentais diferentes têm forças extremamente diferentes? Respostas para essas perguntas fluem naturalmente de matemáticas supersimétricas e technicoloro Assim como os candidatos a partículas que formam a matéria escura, uma substância obscura cuja presença pode ser deduzida de seu empuxo gravitacional, mas que não interage muito através das três forças do Modelo-Padrão. As mais leves dessas partículas de matéria escura podem aparecer no LHC.

O problema dessas e outras propostas tem sido uma constante falta de evidência sobre qual delas, se houver alguma, é uma boa descrição da realidade. Uma década atrás os físicos previam confiantemente que as partículas supersimétricas ou “techniquarks” seriam descobertas em pouco tempo no Tevatron (um acelerador americano menos potente, que foi fechado no ano passado), mesmo antes que o LHC estivesse funcionando. Essa esperança não se materializou. De vez em quando os experimentos se conformavam nitidamente ao Modelo-Padrão, sem dar pistas do que poderia haver depois, para tristeza de muitos nesse campo. Isso poderá finalmente mudar quando eles começarem a descoser o Higgs.

A descoberta do bóson, portanto, é acertadamente saudada como a conquista que coroa uma das mais bem-sucedidas teorias científicas da história. Mas também é quase certamente o início da desmontagem dessa teoria e sua substituição por algo melhor. Na ciência, em sua constante busca pela verdade, isto é algo a se comemorar.

Fonte: Carta Capital, em 18/07/2012

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2 comentários:

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