Na semana passada, um time de cientistas russos anunciou ter chegado até a superfície do lago Vostok, na Antártida. O incrível é que esse lago de água puríssima, com aproximadamente 250 km de extensão e 50 km de largura, está a quase 4 km de profundidade, enterrado sob espessa camada de gelo.
Em 1983, nesse mesmo local, foi registrada a temperatura mais baixa na Terra, -89 graus Celsius. Realmente, um local bem diferente das nossas terras tropicais.
Foram quase três décadas de trabalho para as brocas dos russos chegarem até o lago. Eles só se aventuravam até o local no verão, o que limitava o tempo em que podiam perfurar o gelo. Usando 60 toneladas de querosene e outros fluidos, conseguiram finalmente alcançar seu objetivo (embora tenham provocado sérias dúvidas quanto ao impacto de seus métodos na qualidade da água do lago). Mesmo que tenha havido algum vazamento -os russos garantem que não-, o volume dos poluentes é pequeno se comparado ao volume do lago. E a enorme diferença de pressão, 360 vezes maior do que a pressão atmosférica (por isso que a água do lago permanece líquida, mesmo a -3 graus Celsius), fará com que a água suba imediatamente e congele novamente, selando a cavidade feita pela broca.
Existem outros 145 lagos submersos sob o gelo da Antártida, mas nenhum com as dimensões do Vostok.
Calcula-se que ele tenha ficado isolado durante 20 milhões de anos, criando um ambiente único: sem luz, sempre frio, supersaturado com oxigênio e outros gases. Trata-se de um mundo alienígena com o qual nunca tivemos contato.
É possível que existam formas de vida nesse ambiente inóspito. Nesse caso, elas poderiam fazer parte de um ecossistema diferente de qualquer outro, adaptadas a águas frias e escuras por milhões de anos.
Que criaturas seriam essas? Se alguma forma de vida existir por lá, ela se alimenta de fontes de energia alternativas. Isso porque poucos nutrientes estão disponíveis.
Porém, sabemos da incrível resiliência da vida na Terra. Há extremófilos nas profundezas de oceanos próximos a fumarolas vulcânicas e mesmo nas piscinas radioativas de reatores nucleares. Não me surpreenderia nada se algo fosse encontrado nas águas do lago Vostok (embora muito cuidado tenha que ser exercido para evitar a contaminação por bactérias vindas da superfície ou que existem no gelo).
O lago Vostok é o que temos de mais próximo na Terra dos oceanos subglaciais de Europa, um dos satélites de Júpiter. Lá, uma camada de gelo de quilômetros de espessura cobre um vasto oceano com volume ao menos duas vezes maior do que todos os oceanos da Terra.
Se houver algum tipo de vida no lago Vostok, é muito possível que exista vida em outros mundos da nossa vizinhança celeste.
(*) MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: http://goo.gl/93dHI
Fonte: Jornal Folha de São Paulo (SP), em 12/02/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário