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segunda-feira, 19 de março de 2012

#Música As pedras continuam rolando

texto por Diogo Mizael

Para Dylan, dono de um brechó em São Tomé das Letras, que tive a oportunidade de conhecer em Paranapiacaba. Para Martina, os poetas Gabriel Kerhart, Fabiano Calixto, Id Ego, Daniel Scandurra e Walter Victor por seu “Highway 61 Revisited”.

“Não precisa escrever nada para ser poeta. Alguns trabalham em postos de gasolina, outros limpam sapatos. Eu, realmente, não me chamo assim, porque não gosto da palavra. Eu, eu sou um trapezista”. Rimbaud, em “Eu não estou lá”.

Bob+Dylan13

Os poetas são os únicos seres que passam despercebidos pela massa. Suas carnes são de matéria vitral anônima. Preenchem o corpo, como se fossem de vidro, entende? Quase ninguém os enxergar, entretanto, isto pode soar paradoxal, para você, pragmático. Como eu poderia explicar, sem deixar dúvida? – Os poetas têm a cara lavada e o duende da alma estampado nos olhos.

“A voz catarrenta de Bob Dylan continua expectorando e as pessoas se agitam em volta”, escreveu Tom Wolfe, um dos fundadores do “New Journalism”, no começo do livro “O teste do ácido do refresco elétrico”. Será que Tom Wolfe queria que Dylan, fosse um exemplar em miniatura de Frank Sinatra? Não, ele não seria tão otário assim.

Em sua homenagem, no entanto, foi atribuído o livro “Medo e delírio em Las Vegas”, do jornalista gonzo Hunter S. Thompson. Na dedicatória, Thompson não se esquiva, e aponta: “Para Bob Geiger, por motivos que não precisam ser explicados aqui – e para Bob Dylan, por Mister Tambourine Man”.


Embora assegure que não, Robert Allen Zimmerman tomou como pseudônimo o sobrenome do poeta galês Dylan Thomas. Bob Dylan é um voraz leitor de literatura britânica. Muitos elementos os aproximam, bem como os disparos de versos polimétricos, e a inclinação ao misticismo cristão presente na primeira fase do “salvador do folk”. No final da década de 70, Dylan se converteu ao fundamentalismo protestante, fase que hoje que prefere esquecer.

No disco “Highway 61 Revisited”, Dylan se guiou através do poema “Rolling Stone” do escritor inglês Robert Service para compor a obra-prima “Like a Rolling Stone”. “Desolation Row”, última canção do disco, cita Ezra Pound e T.S. Eliot, dois poetas de vanguarda de língua inglesa. Ao leitor de literatura, não deve surpreender que Eliot, de “Waste Land”, seja citado em “Desolation Row”.

A “Beat Generation”, alcatéia de decadentes escritores ligados ao Jazz, influenciou a juventude que, no futuro próximo dos anos 50, se tornariam jornalistas, atores, escritores e músicos. Sempre, podem acreditar, por trás de uma grande banda, houve um poeta num constante bate-cabeça com as palavras. E, foi assim com a maioria dos poetas do Rock ‘n’ Roll.

Reza a lenda, que depois que leu “On the Road” de Jack Kerouac, o adolescente Robert fugiu de casa. Além de genuíno “antena da raça” de uma geração inteira, sofreu interferências decisivas do seu amigo, o poeta e ativista Allen Ginsberg. Ginsberg sacudiu a América com o poema-escárnio de descida ao inferno “Uivo”, publicado pela editora “City Lights Books”, do também poeta beatnik e editor Lawrence Ferlinghetti. A publicação lhe rendeu alguns processos judiciais.

No disco, “The Genuine Basement Tapes”, de 1967, gravado numa fazenda em Woodstock com o apoio da “The Band”, a música “See you later, Allen Ginsberg”, dá um tom de intimidade entre eles. Outras duas composições, agora em parceria, foram gravadas, são elas: “Put My Money Down”e “For You, Oh Babe For You” do disco “Fourth Time Around: Genuine Bootleg Series Vol. 4”, de 1971.

Outro sintoma de que o poeta foi presença marcante no universo “dylanesco” é o vídeo da música “Subterranean Homesick Blues”, do disco divisor de águas “Bringing It All Back Home”. Rodado no beco atrás do Hotel Savoy em Londres, que originalmente seria usado no em “Dont Look Back”, documentário que mostra as peripécias de Dylan na terra da rainha, o videoclipe contou com a participação de Ginsberg, que produziu os cartazes e aparece no canto esquerdo da tela.


Entre uma picada e outra, entre uma queda de motocicleta e outra, em 1966, em meio às gravações do disco “Blonde on Blonde”, no auge do desbunde psicodélico, Dylan se recolheu em sua fazenda em Woodstock, e escreveu numa mescla de prosódia be-bop “keroaquiana”, o romance de invenção “Tarantula”.

“Aqui jazz Bob Dylan/ assassinado/ pelas costas/ pela carne trêmula/ que após ter sido recusada por Lázaro,/ saltou para cima dele/ por causa da solidão”. A tradução para o português de Portugal foi feita por Vasco Gato e a tradução brasileira, pelo poeta Paulo Henriques Britto Brito.

Dirigido por Todd Haynes em 2007, com o elenco “avant- garde”, de Cate Blanchett, Richie Havens, Heath Ledger, Charlotte Gansbourg, e Richard Gere, o filme “Eu não estou lá”, sem narrativa linear, conta a vida de fama e isolamento de Dylan, única e exclusivamente, por meio da sua poética.

Cada fase da vida do “traidor do folk”, é centrado num alterego. São alternadas as figuras do trapezista Rimbaud e o músico Woody Guthrie, aliás, o seu grande herói. O ínicio da vida errante nas fazendas, ao período das apresentações nos bares fumaçentos do Village, a vaia monumental no “Newport Folk Festival”, o acidente de motocicleta, a fase evangélica, tudo é recontado.

Erroneamente comparado ao príncipe da família Holanda, Chico Buarque, sobretudo na fase das canções políticas, Bob Dylan está mais para a carga inventiva de João Gilberto do que para o “romancista” de olhos azuis que embalou os namoricos das mocinhas do “ARENA” no início dos anos 60.

Legítimos descendentes de Dylan – Péricles Cavalcanti e Caetano Veloso – verteram “It’s all over now, baby blue” para “Negro Amor”. Zé Ramalho, “Knockin’ on heaven’s door” para “Batendo na porta do céu”. Caetano ainda gravou, e não é piada, no disco ao vivo “Circuladô de Fulô”, “Jokerman”. Muitos outros músicos, que verdadeiramente foram influenciados merecem serem mencionados, como Belchior, Zé Geraldo e Sá, Rodrix e Guarabyra.


Mais conhecido por ser um torcedor fanático do Grêmio, o gaúcho Eduardo Bueno ou “Peninha”, historiador, jornalista e tradutor do célebre “On the Road’ de Jack Kerouac, foi a única amizade que Bob Dylan fez quando passou por aqui, em 1990, ano em que se apresentou no Hollywood Rock.

Após apresentar a Dylan à música “Vingança” do conterrâneo Lupicínio Rodrigues, “Ela há de rolar como as pedras/ Que rolam na estrada/ Sem ter nunca um cantinho de seu/ Pra poder descansar”, o músico americano e Peninha ficaram íntimos, nem precisa dizer por quê. Peninha ameaça há anos escrever e publicar a biografia do mestre.

É evidente que falta muito a ser escrito. Afinal, são 70 anos de existência, mais de 50 anos de estrada e 70 discos lançados. Centenas de canções gravadas, e outras tantas não gravadas, que só foram executadas em seus pensamentos. Discografia comentada, dissertações acadêmicas e biografias. Poemas, desenhos, participações em filmes, indicação pro Nobel de Literatura – que ainda bem ele não ganhou.

Sem a voz pigarrenta e os versos-tapa na cara do ouvinte, não haveria Jimi Hendrix, Marc Bolan ou Lou Reed… E o cara desembarca aqui, no mês de Abril, para uma apresentação no Credicard Hall. Ainda que, distante do desempenho animalesco dos anos 60, quem não gostaria de ir ao show? A apresentação deverá emocionar. E eu, que cheguei a dizer que quem fosse, veria um Bob Dylan empalhado. Aham, não sei o que digo, mesmo. Portanto, não me desculpem, estou com pressa.

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