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sábado, 17 de março de 2012

#Cultura A inviolável caixa preta do ECAD

Nos últimos dias, estamos assistindo a mais uma polêmica envolvendo uma instituição que detém um monopólio sobre uma atividade importante e valorizada pela sociedade brasileira. Essa instituição, que age sem fiscalização externa e não precisa prestar contas a ninguém, é frequentemente questionada por seus métodos e decisões –  que permanecem obscuros e mal-explicados. Acusações de corrupção, malversação e proselitismo abundam. Afinal, após muita pressão da mídia, a tal instituição teve que capitular e explicar-se publicamente. Não, não falamos aqui da Confederação Brasileira de Futebol, e sim do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, a entidade que monopoliza a arrecadação das verbas referentes à execução pública de músicas no Brasil, e é o responsável por repassar esses valores aos autores das canções executadas.

 

O paralelo com a autoridade máxima do nosso futebol (que acaba de passar por uma rumorosa troca de comando, com a saída do presidente Ricardo Teixeira) não é gratuita. Assim como a CBF, o Ecad atua sozinho em sua área (existem outros escritórios de arrecadação, mas sua atuação é insignificante em comparação). Ambas as entidades não precisam se preocupar com ingerências ou pressões externas; ambas mantêm parcerias difusas com o governo, o que garante legitimidade a seus atos; ambas têm seus métodos de trabalho fechados ao escrutínio da sociedade; ambas têm uma imagem pública no mínimo antipática, cercadas por acusações de arbitrariedade.  O Ecad tem uma importância fundamental para o mundo musical brasileiro – afinal, num cenário em que cada vez se vende menos discos, a cobrança de direitos autorais é uma fonte de renda garantida para os compositores. E não se nega que a instituição esteja fazendo seu trabalho. O importante é que haja transparência nesse mesmo trabalho e que o público, seja o leigo, sejam os próprios artistas beneficiados pelo Ecad, entendam exatamente o que é cobrado, porque é cobrado e quem é que vai receber.

A polêmica supracitada envolvendo o Ecad foi a história da cobrança de direitos autorais dos blogs e sites que usam o recurso de “embeddar” (anexar em suas páginas) vídeos publicados no YouTube. É uma lei – a de número 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 – que rege a proteção aos direitos autorais no país, e que autoriza o Ecad a cobrar direitos pela execução de músicas contidas em vídeos publicados no YouTube. É a mesma lei que permite ao Ecad cobrar uma mensalidade de blogs e sites que linkem, ou embeddem, vídeos com músicas de copyright protegido. Em resumo, se você tem um blog e usa um vídeo do YouTube, está sujeito a pagar a taxa referente à execução desse vídeo. “O direito de execução pública no modo digital se dá através do conceito de transmissão existente na lei e presente no art. 5º inciso II da Lei 9.610/98, que transmissão ou emissão é a difusão de sons ou de sons e imagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor; meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, portanto isso inclui a internet”, informa o próprio Ecad. E isso não é novidade: o órgão de arrecadação de direitos entrou em acordo com o YouTube em setembro de 2010, para efetuar esse tipo de cobrança, cujo pagamento,  a princípio, caberia apenas ao Google (proprietário do portal de vídeos).

Muita chiadeira nas redes sociais se seguiu ao anúncio da cobrança pelos vídeos executados nos blogs. O Ecad nunca teve um perfil público dos mais simpáticos. Ninguém entende muito bem como o órgão funciona, para onde vai o dinheiro que eles arrecadam, quais são os critérios de cobrança. Sabe-se apenas que a instituição monopoliza o serviço de cobrança de copyright musical no país e tem a fama de atrapalhar festas, casamentos, batizados e demais convescotes sociais. Quem nunca ouviu alguma história sobre o “fiscal do Ecad” que aparece em cima da hora num evento, exigindo tantos reais pela execução das músicas que vão animar a moçada? (Uma busca no Google pelos termos “Ecad + reclamação” retorna 205 mil resultados.). Mas, ora, é a lei. Uma lei que andou sendo debatida por aí, esteve para ser reformada, mas acabou não dando em nada. E ficamos obrigados a obedecer uma legislação promulgada há quase 14 anos. O país tinha cerca de 1,8 milhão de pessoas conectadas em 1998; hoje, são 63,5 milhões. Ninguém tinha telefone celular, o CD ainda era o principal meio de distribuição de música, quem quisesse ver um videoclipe tinha ficar pendurado o dia inteiro na MTV. Etc.

O fato é que a história, mais uma vez, pegou mal para o Ecad. Ninguém apoiou o Escritório em sua decisão de cobrar pelos vídeos. Nem as grandes gravadoras, que batalharam contra o YouTube por anos,  nem o Google, que divulgou nota condenando a atitude. Numa entrevista ao jornal O Globo, a superintendente da entidade, Gloria Braga, mais confundiu do que explicou… e no fim das contas, acabaram revertendo a decisão de cobrar pela execução dos vídeos. Mas aí, o estrago já estava feito: agora temos músicos questionando os procedimentos de cobrança e repasse, e ressurgiram casos bizarros envolvendo o Ecad e pessoas “normais”, que não teriam nada a ver com pagamento de direitos autorais. Tudo isso corroborando a imagem de “caixa preta” que o Escritório mantém diante da sociedade. Um órgão inviolável, com procedimentos quase esotéricos e muitas vezes considerados suspeitos.

Assim como no recente debate sobre o Stop Online Piracy Act, a lei do Congresso dos EUA que pretendia satanizar todo e qualquer site na internet que publicasse conteúdo considerado ilegal e/ou em violação das leis de copyright, temos aqui um establishment que prefere tapar os olhos às mudanças, na certeza de que a corda vai arrebentar do lado mais fraco. As formas de reprodução e distribuição de conteúdo multiplicaram-se de muitas maneiras desde 1998, mas ainda continuamos presos a uma lei que cita “ondas radioelétricas” como meio de difusão.  Não importa que os blogs afetados não extraiam qualquer receita dos vídeos executados, ou que o cálculo para a cobrança seja totalmente arbitrário. Embeddou, pagou. Mesmo que o Google já esteja pagando pela publicação original da música no YouTube. E com isso, suja-se ainda mais a imagem do Ecad, cujos problemas e arbitrariedades são amplamente divulgados, mas cujo trabalho – que é importante e que, segundo muitos compositores, têm melhorado paulatinamente nos últimos anos – permanece nas sombras.

O Ecad deveria se preocupar mais em acompanhar os novos tempos. Um mundo de conteúdos flexíveis exige regras flexíveis para recompensar a quem tem direito. Botem pessoas que entendam um pouco de novas mídias, viralidade, meios alternativos de remuneração e cositas que tais, para explicar aos chefões do Escritório como a música se move na internet. Gente que compreenda que cobrar de blogs com poucos milhares de hits diários é muito antipático. E, acima de tudo, gente que “acenda as luzes” na casa – explicando para o povão o que são direitos autorais, como se arrecada, quem se beneficia com isso.

Fonte: Opinião e Notícia, em 16/03/2012

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