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domingo, 20 de setembro de 2009

Da Lama ao Caos faz 15 anos!!

Galera

Em um daqueles raros momentos, a Folha de São Paulo publicou bom material sobre os 15 anos do lançamento do álbum Da Lama ao Caos, de Chico Science.

ABRAÇOSSSS
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Álbum inaugural do movimento completa 15 anos e ainda é referência

MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL


"Da Lama ao Caos", 15. Lançado pelo pernambucano Chico Science (1966 -1997) e sua banda, a Nação Zumbi, o álbum que dividiu águas na música pop-popular brasileira dos anos 90 ganha baile de debutante nesta noite.
A mesma data redonda estimula balanços, análises e (auto) avaliações. Quais os efeitos reais desse petardo -e do "movimento" mangue beat, lançado por ele e repercutido no disco seguinte, "Afrociberdelia" (1996)- no que foi feito na cultura do país a partir disso?
"Na boa, esse disco influenciou toda a geração que veio depois dele", garante Carlos Eduardo Miranda, produtor musical de bandas como Mundo Livre S/A, Raimundos, Skank e O Rappa. "E eu não estou falando só de música, mas também de moda, de cinema."
Segundo Miranda, a "maneira livre" de criar que muitas dessas bandas têm hoje é influência em parte dos Mutantes, em parte do mangue beat.
Ele conta que, quando o primeiro álbum do Mundo Livre foi lançado, a ideia era confundir. "A gente inventou que não era "beat", mas "bit" - isso pra não acharem que se tratava simplesmente de uma batida de maracatu com hip hop e metal por cima. As pessoas ouviam aquilo e entendiam como um gênero musical. Não era."
O rótulo "mangue beat" ainda confunde. Produtor de "Afrociberdelia", Eduardo BID lembra que o conceito nasceu com outro viés: o ideológico.
"Acompanhei aquilo de perto e considero o mangue beat muito mais um grito de "ei, a gente existe e nosso Estado também tem muito o que dizer para o Brasil" do que um movimento musical ou estético."
Ao menos no que diz respeito à repercussão cultural, Recife andava um marasmo na era pré-"Da Lama ao Caos". A capital do Estado que fizera nascer o frevo, a ciranda e o maracatu estava com a autoestima baixa.
"Tinha gente atuando na cidade, mas sem credibilidade nenhuma da plateia", conta o jornalista José Teles, autor do livro "Do Frevo ao Manguebeat". A partir da projeção de Science, Recife refloresceu. Em um único fim de semana chegavam a acontecer dez shows.
A avalanche cultural logo extrapolou a música. O exemplo mais bem acabado disso foi "Baile Perfumado" (1996), primeiro longa de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, premiado como o melhor filme daquele ano no Festival de Brasília.
"Muitos filmes feitos hoje em Pernambuco ainda replicam a ousadia e a invenção que o disco trouxe", diz Lírio. "Aquilo despertou a cidade, que passou a respirar uma grande autoestima deflagrada por aquela música. E o cinema veio na sequência, bebendo completamente dessa energia cultural."
Passados esses 15 anos, a novíssima geração musical pernambucana já renega os laços com Science. Lucio Maia, membro-fundador da Nação Zumbi e guitarrista de "Da Lama ao Caos", diz que assiste essa reação "de camarote, às gargalhadas". "Isso tudo também é influência. Influência pelo avesso, mas influência."


FRED ZERO QUATRO - Hoje o mangue beat não passaria de duas comunidades no Orkut
Vocalista da banda Mundo Livre S/A fala sobre o movimento musical surgido em Pernambuco no início dos anos 1990

Um dos principais artífices do mangue beat ao lado de Chico Science (1966-1997), Fred Zero Quatro afirma que o movimento surgido no Recife no início dos anos 1990 ajudou a romper com o conservadorismo e com o tradicionalismo. Hoje com 47 anos e dividindo o papel de vocalista do Mundo Livre S/A (que completa 25 anos de vida) com um cargo de assessor técnico da Secretaria da Cultura do Recife, Fred critica as mudanças ocorridas na música com a chegada da internet.

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

FOLHA - Quando sai novo disco do Mundo Livre?
FRED ZERO QUATRO - Já temos 15 ou 16 músicas para o álbum, que vai chamar "Durar É Viver". O disco celebra os 25 anos da banda. Já fizemos um show com vários convidados no festival de Garanhuns, talvez lançaremos um DVD. Há selos argentinos, portugueses e americanos querendo licenciar o disco, mas ainda estamos aguardado sair um edital para bancarmos a finalização do disco.

FOLHA - É necessário buscar esse tipo de apoio para lançar discos?
FRED - É um reflexo da desconstrução do circuito da música que estamos vivendo. Os medalhões estão recorrendo a leis de incentivo para turnês, para gravar CDs, DVDs. Antes eram leias apropriadas ao perfil dos alternativos. E agora como ficam os alternativos? O guarda-chuva vai abrigar todo mundo? Tenho trombado com um monte de gente que simplesmente não tem como lançar disco, porque as gravadoras não querem gastar dinheiro.

Folha - Como você encara as mudanças ocorridas no mercado da música com a internet?
FRED - Tenho participado de debates sobre cultura e percebo que, a despeito de toda a questão do acesso democrático e da maior visibilidade que chegaram com a internet, um fato inegável é que a web tem desestruturado quase todas as cadeias que se envolvem com a digitalização, do jornalismo à música. Hoje é moda celebrar a web, dizendo que finalmente nos livramos dos malas da indústria fonográfica. Tudo bem, a indústria até tinha um aspecto predatório, mas uma coisa é você defender a ausência da indústria, a ausência da cadeia produtiva. Se o mangue beat tivesse surgido num ambiente parecido com o que rola hoje, com gravadoras em crise, talvez o mangue beat tivesse se limitado a uma ou duas comunidades de Orkut, uma coisa de gueto. [No início dos anos 90] A Sony foi a Recife, contratou o Chico Science e bancou o primeiro clipe da banda, que rodou direto na MTV. Finalmente a indústria olhava para nós. E teve um efeito multiplicador forte. As pessoas esquecem isso. Hoje há uma situação sem indústria, sem cadeia produtiva. Está se instalando uma religião da tecnologia, um fundamentalismo tecnológico. Fala-se muito em economia sustentável, mas na cultura não existe consumo sustentável.

Folha - Há uma alternativa?
FRED - Estamos todos aguardando que surja um novo modelo de negócio baseado na web 2.0. Mas ele não surge.

FOLHA - O Mundo Livre existe desde 1984. Como era a banda antes do estouro do mangue beat?
FRED - Passamos quase dez anos como banda de garagem, eu fazia faculdade na época. Nem conhecíamos Chico, Jorge [Du Peixe; Nação Zumbi]. Nesse período surgiu o som da banda. Boa parte do repertório do "Samba Esquema Noise" [o primeiro disco] foi composta nos anos 80, entre 1984 e 1992. Quando fomos contratados pelo [selo] Banguela, tínhamos material para um disco triplo.

FOLHA - O que o mangue beat trouxe de inovador?
FRED - O vínculo com o conceito de diversidade. Não era um mero movimento musical porque não havia um formato padronizado de música. Tinha uma postura de celebrar a diversidade e colocar o Recife no mapa com uma linguagem contemporânea. O ambiente na época era conservador, regionalista, voltado para a cultura ruralista. E Recife era uma metrópole, com circulação de informação cosmopolita, mas sem espaço para se expressar. Na própria universidade havia um ambiente conservador, de unir o popularesco com a tradição ibérica. O contemporâneo, o pop, não tinham espaço.

FOLHA - Qual é o legado deixado pelo mangue beat?
FRED - Em Recife, é evidente a superação desse conservadorismo. Hoje há uma predisposição do público e dos gestores públicos muito mais receptiva em relação ao contemporâneo, ao urbano e à diversidade. O próprio Carnaval do Recife é diferenciado pelo multiculturalismo. Ao contrário da axé music na Bahia ou do samba no Rio, no Carnaval de Recife há o festival Recbeat, que toca de salsa a rock e eletrônica, além de polos de frevo, de maracatu, de hardcore. O mangue beat foi uma inspiração para isso.

FOLHA - Em um segundo manifesto [o primeiro do mangue beat é de 1992], vocês afirmam ter medo de ter parido um "monstro incontrolável". Por que esse receio? As ideias do mangue beat foram distorcidas?
FRED - O mangue beat continua fomentando debate. Hoje ainda me perguntam: "Como faço para ser um mangueboy?". Hoje tem banda que diz fazer um som "mangue". Isso é uma distorção do sentido original da coisa. Não defendíamos a criação de um gênero musical. Era uma movimentação em torno da diversidade e do rompimento com o tradicionalismo.


Em São Paulo, lama, caos e corrupção

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA


Repórter farejador da lama política, esperava uma chamada sobre o destino do capo PC Farias, mas o fone do apê da Frei Caneca só tocava para os caras. Imprensa e gângsteres de gravadoras à procura de Science e Zero Quatro.
Primeira excursão, ainda sem discos, da Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A, ano da graça de 1993, São Paulo.
Foi aí que atinei para a marcha da história: estão aprontando alguma e não me contaram direito a bola. Com Zero Quatro, amigo do jornal "A Brecha" e de um grupo de estudos sobre "Crônica de Uma Morte Anunciada", do García Márquez, havia sido enquadrado no campus da UFPE, rua 7 de Setembro e Beco da Fome, geografia afetiva e bagaceira do Hellcife velho de assombrações tantas.
Este outrora poeta também abria alguns shows do Mundo Livre, com leituras ao som do Love, play again Arthur Lee, teu povo o espera, volta, miserável, "forever changes"!
Science não dizia nada do que estava acontecendo, só tirava "la buena onda"; Zero Quatro tampouco. Nem dava tempo. Eles correndo para encontrar os "falcões" (crédito para Bob Dylan, baby) das gravadoras -na era paleolítica em que ainda se precisava disso- e o repórter fuçando pistas. De corrupção durante o dia e de rock à meia noite. Logo depois, Bia Abramo e Alex Antunes, meus Freuds do mangue bit (era assim a grafia inicial) me explicariam tudo.
Bem que o síndico de pijama bege e trezoitão em punho tentou acabar com a "embaixada" cósmico-universal-pernambucana, o quarto e sala da Frei Caneca. Sim, a trilha sonora era muito Hosana nas alturas, glória. Quando saiu "Da Lama ao Caos", audiência inaugural, pense no silêncio dos tambores da Nação! Fui expulso de vez do prédio.
Inesquecível madruga com du Peixe, Lucio e Chico. Falamos de amores distantes e Corto Maltese, que inspiraria mais adiante, com a sua HQ que aborda Lampião, a música "Tiro Certeiro". Ufa, como é bom passar no ferro quente da memória as brasas nunca adormecidas!

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