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domingo, 29 de maio de 2011

Clipe contra companhia aérea por violão quebrado vira hit no YouTube

Galerinha,

Mesmo sendo uma matéria antiga (julho de 2009), decidi postar, pois mostra que o poder que o consumidor tem nas mãos, quando decide atuar contra desmandos e arbitrariedades!

ABRAÇOSSSS
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Um músico canadense que teve seu violão danificado durante um vôo nos Estados Unidos se transformou no novo hit na internet. Quase 4 milhões de pessoas já viram no YouTube um videoclipe que ele gravou com uma reclamação musicada contra a companhia aérea.

O sucesso do vídeo fez com que a United Airlines, que inicialmente havia se recusado a indenizar o músico, revisse sua posição.

O vídeo do músico Dave Carroll, intitulado United Breaks Guitars (A United Quebra Violões), foi postado no começo de julho.


Cena do videoclipe 'United Breaks Guitars', de Dave Carroll
Cena do videoclipe 'United Breaks Guitars', de Dave Carroll


O incidente ao qual Carroll se referia ocorreu em março de 2008, durante uma escala em Chicago parte de um vôo de Halifax, no Canadá, a Nebraska, nos Estados Unidos, onde ele se apresentaria com sua banda de folk-rock Sons of Maxwell.

Compensação
Segundo o músico, o conserto de seu violão quebrado durante o transporte custou 1.400 dólares canadenses (o equivalente a R$ 2.425), mas a companhia inicialmente se recusou a pagar.

Após meses tentando, sem resultados, uma compensação da companhia, Carroll, de 41 anos, resolveu postar o videoclipe com a reclamação no YouTube.

“Vocês quebraram, deveriam consertar. Vocês são responsáveis, admitam. Eu deveria ter voado com outra companhia ou ido de carro, porque a United quebra violões”, diz ele na música.

Em uma cena do clipe, atores representando carregadores de bagagem jogam entre eles, sem cuidado, uma caixa de violão, que cai no chão, enquanto Carroll e outros passageiros veem a cena das janelas do avião.

Com o sucesso do vídeo no YouTube, Carroll foi convidado para entrevistas em várias partes do mundo, incluindo o Oprah Winfrey Show, um dos programas de maior audiência da TV americana.

iTunes
O caso também trouxe benefícios para o músico. A canção United Breaks Guitars é atualmente a 20ª mais vendida na lista do iTunes no Canadá, e as vendas dos CDs da banda Sons of Maxwell também subiram.

Além disso, a fabricante do violão danificado ofereceu a ele um novo instrumento para ser usado em suas próximas composições.

Carroll disse à BBC que quando o seu vídeo no YouTube começou a fazer sucesso, a United escreveu uma carta a ele sugerindo compensá-lo pelo violão quebrado, mas ele diz ter negado e pedido à companhia que doasse o dinheiro a instituições de caridade.

O músico diz que em sua correspondência com a companhia ele prometeu compor três músicas sobre o incidente. Uma segunda música já estaria pronta e prestes a ser colocada na internet.http://www.blogger.com/img/blank.gif

Em uma carta enviada a uma TV canadense, a United Airlines disse que está em contato com o músico e quer retificar seus erros no caso.

Um porta-voz da companhia disse ao jornal americano The Los Angeles Times que “o vídeo é excelente” e será usado em treinamentos internos sobre atendimento ao cliente.

Em entrevista à BBC, o músico disse que o sucesso do vídeo o surpreendeu. “Eu esperava ter um milhão de acessos em um ano”, disse.

Fonte: BBC, em 24/07/2009

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A vida de um fuçador de notícias

Por Kevin Baker em 17/5/2011

Ele conhecia todo mundo e ia para toda parte. Foi confidente de presidentes, mentor de dois dos mais influentes jornalistas da história dos Estados Unidos, amigo de industriais, artistas, militantes políticos, comunistas e boêmios. Dizia que passara o resto de sua vida pós-universitária "desaprendendo" tudo o que lhe haviam ensinado. Ele percebia todas as falsas aparências, os ardis e as mentiras – mesmo as que contava a si próprio – até que, no final, foi enganado pela maior de todas.

Atualmente, Lincoln Steffens não é muito lembrado, embora a envolvente biografia de Peter Hartshorn – I have seen the future – deixe claro por que deveria ser. Como um dos fuçadores originais, Steffens escrevia revelações para jornais e revistas que davam ao jornalismo um novo objetivo, uma voz na democracia norte-americana para lá da simples aceitação de um lado ou do outro.

Nascido em 1886, filho de um empresário rico – uma das residências da família viria a ser a mansão do governador da Califórnia –, Steffens passou uma infância idílica explorando os arredores de Sacramento montado em seu querido pônei. Foi educado, desde cedo, nas coisas do mundo, descobrindo que as corridas de cavalos em que seu pai apostava eram "arranjadas" para se tirar vantagem dos otários. Embora gostasse de seu pai, "não dava a mínima para otários" – e decidiu que jamais seria um deles.

No lugar certo, na hora certa

Após conseguir a graduação (e uma noiva secreta) em Berkeley – "É possível conseguir educação numa universidade. Isso já foi feito; mas não é comum" – Steffens persuadiu seu pai a mandá-lo à Europa para três anos de estudo de filosofia, ética, história da arte e ciência. Aplicado, lia de tudo e estudou em universidades da Alemanha e da França. Mas, também aqui, ficou frustrado com seus professores: "Eles não concordavam sobre o que era o conhecimento, nem sobre o que era bom ou ruim, nem porquê." De volta aos Estados Unidos com um baú cheio de roupas inglesas, "um ensaio do tamanho de um livro sobre ética" uma jovem (e secreta) esposa e vagas intenções de se tornar um empresário, o jovem Steffens, de 26 anos, tomou um susto ao receber uma carta de seu pai com cem dólares e a ordem de "ficar em Nova York e se virar" até aprender o "lado prático" da vida.

Foi assim que ele se fez. Virando-se desesperadamente, orgulhoso demais para dizer à família que tinha casado, descolou trabalho como repórter do New York Evening Post, onde aprendeu as manhas de Wall Street e das favelas de imigrantes do Lower East Side e ganhou a amizade de um jovem e truculento corregedor de polícia chamado Theodore Roosevelt. Aprendeu a escrever e investir e, em nove anos, transformou-se no editor administrativo da McClure´s, uma das mais populares e respeitadas revistas do país.

Como sempre, estava no lugar certo, na hora certa. O volúvel Sam McClure estava transformando a publicação que trazia seu nome numa revista que iria rip the veil da vida norte-americana, forçando os leitores a se confrontarem com a corrupção que encharcara todos os cantos de sua democracia. Apenas a edição de janeiro de 1903 trazia um capítulo de Ida Tarbell sobre a história revolucionária da Standard Oil Company; uma matéria de Ray Stannard Baker sobre uma greve de mineiros na Pensilvânia; e uma investigação do próprio Steffens sobre corrupção política em Mineápolis.

Um homenzinho delicado e cômico

Nunca ninguém fizera esse tipo de jornalismo. McClure abordou os monopólios das corporações e as engrenagens políticas, as péssimas condições em que vivia e trabalhava a maioria dos norte-americanos, a comida infecta e a água contaminada que comiam e bebiam. O público devorava a revista, ainda que reclamando por matérias mais "positivas". (Mas não era o caso. Um livro que Steffens escreveu especificamente sobre campanhas de reformadores, Upbuilders, vendeu toda sua tiragem de 684 exemplares no primeiro ano.)

Steffens queria ir além da simples ideia de que "os males políticos se deviam a algum tipo de homens maus e eram sanáveis se estes fossem substituídos por homens bons". Trabalhando constantemente, viajando sem parar, ele visitou uma cidade após outra, tentando decifrar como todo o sistema funcionava – tanto por que ele era corrupto, quanto como. Se pôs ao trabalho com uma inteligência penetrante, uma grande solidariedade humana e um jeito especial para criar frases; seria possível escrever livros inteiros com seus aforismos: "Nunca mais fui confundido com um homem honesto por um malandro"; "As pessoas pedem aos políticos para serem honestos; eu peço-lhes que sirvam o público"; "Nada dá mais errado que o sucesso"; "Você não pode estuprar apenas um pouco".

Naqueles tempos maravilhosos, antes dos especialistas em relações públicas, ele tinha a fascinante habilidade de conseguir que qualquer pessoa se abrisse com ele, inclusive os seus objetivos – o barão madeireiro Frederick Weyerhaeuser, assim como o chefão da Tammany Richard Croker, ou o magnata dos jornais William Randolph Hearst, o qual, segundo Hartshorn, disse que Steffens foi "o entrevistador mais eficiente que teve pela frente". Havia algo de irresistível neste homenzinho delicado, cômico e que, segundo Malcolm Cowley, "parecia a versão de um cartunista de um artista dândi francês".

"Eu vi o futuro e ele funciona"

Ele consegui manter a amizade com Roosevelt e, depois, Woodrow Wilson, mesmo quando lhes disse que estavam errados – o que não é pouca coisa. Seus afilhados incluíam John Reed e Walter Lippman; seus amigos, o ator James Cagney e James Joyce. Ele sempre parecia estar onde as coisas aconteciam: com boêmios mais jovens no salão Mabel Dodge, na Greenwich Village; ou com os expatriados da geração perdida na França, após a I Guerra Mundial. Quando Hadley Richardson perdeu todos os manuscritos que pertenciam a seu marido, Ernest Hemingway, ela os tinha levado para Lausanne, para uma leitura minuciosa por parte de Steffen.

Nessa época, ele já lamentava seu passado. Os fuçadores haviam conseguido coisas fantásticas: as investigações que Steffens fizera em Wall Street, por exemplo, haviam conduzido a nada menos que o sistema do Federal Reserve (Banco Central norte-americano). Mas isso não era o suficiente. Steffens se desiludira pela pouca duração que conseguia com dados bem fuçados, pela rapidez com que reformadores eram varridos do governo, ou as reformas eram negligenciadas assim que o últimos escândalo tivesse passado. Por algum tempo, encontrou uma resposta no cristianismo – "A doutrina de Jesus Cristo é a propaganda mais revolucionária que encontrei até hoje" – embora se lamentasse – "Nunca ouvi a pregação de um sermão numa igreja." Ainda mais desiludido com a contínua violência entre trabalho e capital, com a matança da I Guerra Mundial e com a colcha de retalhos que foi o tratado de paz de Versalhes, ele retomou sua velha busca pela certeza, por "fatos de valor científico" que resolvessem todos os problemas sociais.

E ele fez sua escolha. A política "científica" estava disponível entre as duas guerras. Intrigado com Mussolini, Steffens foi cativado por Lênin, que ele entrevistou rapidamente durante a revolução. Tornou-se um dos primeiros daquele triste bando de intelectuais ocidentais a cair de joelhos diante da União Soviética. Ao contrário da maioria deles, não negou os relatos de atrocidades que vazavam do paraíso proletário. E pior: ele simplesmente achava isso necessário para gerar as grandes mudanças que viriam. Nunca recuou de sua primeira e infame impressão da URSS: "Eu vi o futuro e ele funciona." Vivendo uma vida confortável com o dinheiro que ganhava de ações aplicadas, insistia que "nada deve abalar nossa perfeita lealdade ao partido e a seus líderes" e que "a noção de liberdade é falsa, é uma ressaca da nossa tirania ocidental".

Uma biografia prodigiosa

Essa posição olímpica revelava um traço frio em sua natureza calorosa, algo que também estava presente na forma emocionalmente sádica com que tratava as mulheres. Quando procurava um apartamento para dividir com Steffens, uma de suas amantes ficou chocada ao encontrá-lo fazendo precisamente a mesma coisa – com outra mulher. "Será que eu sou amoral? Não sei. Mas tenho certeza de que posso ser cruel com as pessoas que me amam", confessou a um amigo. "Não consigo compreender a mim mesmo."

Revelações desse tipo talvez o tenham informado que nenhum sistema – científico ou de qualquer outro gênero – mudaria a natureza da essência humana. Mas, como qualquer otário, Steffens não conseguia se livrar de seus delírios. Tinha a sorte de poucos lhe darem atenção. Hartshorn avalia que seu apoio cego aos comunistas, embora revoltante, não deveria divergir "da influência significativa que ele teve tanto na profissão de jornalismo, quanto na natureza do governo nos Estados Unidos". Ele não só tem razão, como, em apoio a essa opinião, produziu uma biografia prodigiosamente pesquisada, fantasticamente interessante e extremamente bem escrita. Steffens teria ficado gratificado com a forma pela qual Hartshorn o virou pelo avesso.

Fonte: Observatório da Imprensa, em 17/05/2011

Telescópio da NASA confirma que energia escura é real

Uma pesquisa que durou cinco anos e cobriu 200.000 galáxias, levou a uma das melhores confirmações de que é mesmo a energia escura que está acelerando a expansão do Universo.

O estudo, que representa um retorno de até sete bilhões de anos no tempo cósmico, usou dados da sonda espacial Galex (Galaxy Evolution Explorer: Exploração da Evolução das Galáxias) e do Telescópio Anglo-Australiano instalado na montanha Siding Spring, na Austrália.

Telescópio Galex confirma que energia escura é real
Os resultados dão suporte para a principal interpretação sobre como funciona a energia escura, e mais uma vez dão razão a Albert Einstein sobre a gravidade e a constante cosmológica. [Imagem: NASA/JPL-Caltech]

Os resultados dão suporte para a principal interpretação sobre como funciona a energia escura - como uma força constante, afetando uniformemente o Universo e impulsionando sua expansão.

Por decorrência, os dados contradizem uma teoria alternativa, que propõe que seria a gravidade, e não a energia escura, a força que impulsionaria a expansão do Universo. De acordo com esta teoria alternativa, com a qual os novos resultados não são consistentes, o conceito de Albert Einstein da gravidade estaria errado, e gravidade tornar-se-ia repulsiva, ao invés de atrativa, quando atuando em grandes distâncias.

"Os resultados nos dizem que a energia escura é uma constante cosmológica, como Einstein propôs. Se a gravidade fosse a responsável, então não estaríamos vendo esses efeitos constantes da energia escura ao longo do tempo," explica Chris Blake, da Universidade de Tecnologia Swinburne, na Austrália, e líder da pesquisa.

Energia escura

Acredita-se que a energia escura domine o nosso Universo, perfazendo cerca de 74 por cento dele. A matéria escura, uma substância não menos misteriosa, é responsável por 22 por cento. A chamada matéria normal, ou matéria bariônica - qualquer coisa que tenha átomos - representa apenas cerca de 4% do cosmos.

A ideia da energia escura foi proposta durante a última década, com base em estudos de estrelas distantes que explodiram, conhecidas como supernovas.

As supernovas emitem uma luz constante e mensurável, o que as torna uma referência inigualável, que permite o cálculo de sua distância da Terra com grande precisão.

As observações revelaram que algo - que veio a ser chamado de energia escura - estava fazendo aumentar a aceleração desses objetos celestes.


Telescópio Galex confirma que energia escura é real
O observatório de ultravioleta GALEX (Galaxy Evolution Explorer) foi lançado no dia 28 de Abril de 2003. [Imagem: NASA/JPL-Caltech]

Energia escura versus gravidade

A energia escura disputa um cabo-de-guerra com a gravidade.

A teoria atual propõe que, no início do Universo, a gravidade assumiu a liderança, dominando a energia escura.

Cerca de 8 bilhões de anos após o Big Bang, com o espaço se ampliando e a matéria se diluindo, as atrações gravitacionais enfraqueceram e a energia escura tirou o atraso.

Se isto estiver correto, daqui a bilhões de anos a energia escura será ainda mais dominante.

Os astrônomos preveem que o nosso Universo será um verdadeiro deserto cósmico, com as galáxias se distanciando tanto umas das outras que quaisquer seres que viverem dentro delas não serão capazes de ver outras galáxias.

Era da energia escura

Esta é a primeira vez que astrônomos fazem essa checagem cobrindo todo o período de vida do Universo desde que ele foi dominado pela energia escura.

A equipe começou montando o maior mapa tridimensional já feito das galáxias do Universo distante. Isto foi feito pelo Telescópio de ultravioleta GALEX, que mapeou cerca de três quartos do céu, observando centenas de milhões de galáxias.

O Telescópio Anglo-Australiano coletou informações detalhadas sobre a luz de cada galáxia, o que permitiu estudar o padrão de distância entre elas - ondas sônicas do Universo jovem deixaram marcas nos padrões de galáxias, fazendo com que pares de galáxias sejam separados por aproximadamente 500 milhões de anos-luz.

Essa "régua padrão" foi usada para determinar a distância entre os pares de galáxias e a Terra - quanto mais próximo um par de galáxia estiver de nós, mais distantes elas irão aparecer uma da outra no céu.

Tal como acontece com os estudos de supernovas, estes dados de distância foram combinados com informações sobre as velocidades nas quais os pares estão se afastando de nós, revelando, mais uma vez, que o tecido do espaço está se esticando cada vez mais rápido.

Fonte: Inovação Tecnológica, em 20/05/2011

terça-feira, 10 de maio de 2011

O engodo do futebol-empresa

Por Irlan Simões, colaborador de Outras Palavras

Em maio de 2010 o Esporte Clube Vitória selou por definitivo a última parcela da recompra das ações vendidas no período do Vitória S.A, artifício criado pelo clube para a sua entrada no mercado financeiro. Dois anos antes, Jorge Sampaio, então presidente da Sociedade Anônima revelara a sua satisfação com o fim da aventura: “o importante é que seremos donos do nosso próprio nariz”1.

Voltemos ao passado, para entender em que momento o torcedores do Vitória deixaram de ser donos do próprio “nariz”, quem eram os donos, e o que isso representava ao clube até aquele momento.

Ainda no ano de 2000, cerca de seis meses após o Vitória conquistar o 4º lugar no campeonato brasileiro, e pouco mais de um ano após o centenário do clube, o então presidente, Paulo Carneiro, selou um contrato até então inédito no Brasil. Vendeu 50,1% das ações do Vitória S.A – que cuidava apenas do departamento de futebol da entidade esportiva – para investidores argentinos do Fundo Exxel Group.

O banco se tornaria, desse modo, o primeiro acionista a investir no futebol brasileiro nesses moldes. Era um momento de grandes mudanças no esporte mais popular do país. O negócio foi visto como marco desse momento. Elogiado de vários flancos, o Vitória entrou de cabeça numa “parceria”, na qual já planejava grandes ganhos nos anos que viriam. Nem o clube, nem a imprensa – que tanto apoiou o processo – imaginavam o caos em que se transformaria a vida do rubro-negro baiano nos anos seguintes.

O “novo momento” do futebol brasileiro era a tal “profissionalização e garantia da ética empresarial” nos clubes. Um movimento que alterou juridicamente os estatutos dos clubes, a ‘função-social’ do desporto profissional e por fim, os atores que mandariam no futebol brasileiro.

Inspirado no modelo europeu, que havia sido inaugurado ainda na década de 1980, o futebol brasileiro viu-se obrigado a se “modernizar”. Um verdadeiro copia-e-cola foi re-editado na chamada Lei Zico. Num artigo feliz, o sociólogo Emir Sader qualificou o movimento como a introdução do “neoliberalismo no futebol”2.

O processo havia começado exatamente na Inglaterra de Margareth Thatcher, a governante para quem não havia alternativas à submissão das sociedades aos mercados, a concorrência e à busca pelo lucro como fim.

A nova doutrina política e econômica invadiu o futebol – já então, um jogo popular em qualquer parte do globo. Thatcher e seus seguidores tinham um argumento-engodo para conseguir apoio de diversos setores da sociedade. Para eles, a mercantilização era indispensável para enfrentar o domínio dos estádios pelos hooligans, os torcedores ultra-violentos. No Brasil, mais tarde, um imenso coro de jornalistas, ex-atletas e políticos influentes usariam como pretexto o suposto combate ao poder dos “cartolas”.

De fato, a “cartolagem” precisava ser exterminada. Foram incontáveis os casos de abuso de poder, negociações ilícitas, uso do futebol para fins políticos, manipulação de resultados e todo tipo de falcatrua possível. Os velhos dirigentes do futebol tornaram-se verdadeiros “piratas”, como disse uma vez Juca Kfouri. Eram verdadeiras máfias que se apropriaram do jogo.

O próprio Juca Kfouri, um dos jornalistas mais influentes e empenhados que passaram pelo futebol brasileiro, foi um verdadeiro militante (como o mesmo se intitula) da causa do jogo. Um dos principais articuladores políticos da Lei Pelé – que viria a substituir, corrigir, e tornar mais forte o que a Lei Zico propôs –, era conhecido também por ser um caçador de cartolas, inimigo número um de senhores como Eurico Miranda, presidente do Vasco da Gama. Juca considerava o futebol “um negócio grande demais para ser deixado nas mãos de ‘amadores’ que só fazem enriquecer sem prestar contas a ninguém”, como afirmou, em 1995, em sua coluna na Folha de São Paulo, ainda no ano de 1995. Reconheceria, anos depois, no que o projeto não funcionou3.

A Lei Pelé bateria o martelo, em definitivo, na obrigatoriedade de os clubes de assumirem o caráter de empresas. Oferecia três opções: tornarem-se sociedades civis de fins econômicos, mantendo portanto um quadro de associados, mesmo depois de abrir seu capital (o caso do Vitória S.A); tornarem-se sociedades comerciais, a versão mais acabada de clubes-empresas, que têm proliferado pelo Brasil (Grêmio Prudente/Barueri, RedBull F.C, Pão de Açucar); ou , simplesmente contratar uma empresa com fins lucrativos para a gestão dos seus negócios.

Quinze anos após a Lei Pelé, constata-se que os cartolas perderam, de fato, alguma força. Transferiu-se um pouco do seu poder quase feudal sobre os clubes para entregá-los… ao poder corporativo! Mesmo sofrendo notáveis alterações, a lei não solucionou de forma alguma os problemas do futebol. Pelo contrário, criou outra forma de apropriação sobre o jogo, que tem se revelado, por incrível que pareça, muito pior do que os desmandos dos cartolas.

Nos estádios europeus, e ainda timidamente em alguns estádios brasileiros, já há um grupo de torcedores críticos. Eles perceberam que cartolas e capitalistas, apesar de suas diferenças, têm algo muito forte em comum. Ambos os grupos buscam o benefício próprio, em detrimento das verdadeiras razões do futebol existir, expressas nas relações culturais entre torcedores, clubes e jogadores. Os europeus expressam seu protesto através de faixas com dizeres como: “Não ao Futebol Moderno”, destacando a sua indignação com o que se tornou o jogo após tal a “profissionalização”.

Os homens das corporações ainda estão presente, seja travestidos de dirigentes, empresários geniais ou agentes caridosos. O Palmeiras sofreu com sua parceria com J.Hawilla e a Traffic. O Corinthians viveu seus momento de agruras com a MSI, o Flamengo com a ISL, o Cruzeiro com a Hick&Muse… O Vitória, com o Exxel Group.

Um antigo empregado do banco argentino, Flávio Raupp, contratado para representá-lo na “parceria” revelou ao próprio blog4 de Juca Kfouri o que os investidores pensavam, ao comprar mais da metade das ações, e consequentemente adquirir maior poder de decisão do Vitória S.A por 6 milhões de reais: “um negócio da China”. Não é difícil entender a quem serviu esse negócio.


1 “Por economia de R$ 5 milhões, Vitória deixa de atuar como S/A” Correio da Bahia, 16 de dezembro de 2008.

2“Neoliberalismo no Futebol” 13 de dezembro de 2006, http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=80

Drogas: muito além da hipocrisia

Por Henrique Carneiro*

Uma política sobre drogas deve abranger os três circuitos de circulação das substâncias psicoativas existentes na sociedade contemporânea: o das substâncias ilícitas, o das lícitas de uso recreacional e o das lícitas de uso terapêutico.

A divisão estrita entre estes três campos é recente e sempre vem se alterando. O álcool já foi remédio, tornou-se droga proibida e voltou a ser substância de uso lícito controlado. Outras, como os derivados da Cannabis, que por milênios fizeram parte de inúmeras farmacopéias, foram objeto de uma proscrição oficial no século 20, a ponto de a ONU querer “erradicar” essa planta – assim como outras, tais como a coca e a papoula, produtora de ópio. Hoje, entretanto, a Cannabis tem uso medicinal reconhecido em muitos estados norte-americanos e em outros países.

Qual a fronteira conceitual estrita que separa essas drogas? LSD, DMT1 ou MDMA2 não possuem usos terapêuticos? O que é recreacional e o que é terapêutico? Esse último campo deve estar submetido apenas a monopólios de especialistas ou deve também abranger um amplo uso de técnicas de auto-cura?

Pretendo, neste texto, defender um regime mais “equalizador” em relação aos três tipos de substâncias mencionadas. Ao mesmo tempo que antiproibicionista, ele deve ser mais severo no que diz respeito à interdição da publicidade e à facilidade do acesso. Como “substâncias essenciais”3 as drogas psicoativas não devem estar ligadas a emprendimentos que estimulem continuamente o consumo os lucros crescentes que decorrem dao interesse privado. Defendo assim, a criação de um “fundo social” constituído com o faturamento de um mercado legalizado e estatizado de produção de drogas psicoativas em geral — tanto as hoje ilícitas como as legais.

* * *

A indústria farmacêutica, no seu conjunto, concentra alguns dos maiores grupos empresariais do planeta. Hiperconcentrada, hiperlucrativa e em acelerado crescimento nas últimas décadas (faturou 773 bilhões de dólares em 20084). Estreitamente vinculada ao setor de produção de sementes transgênicas e agrotóxicos, esta indústria fundiu-se com a de alimentos por meio de várias compras e fusões empresariais. O ramo do tabaco também está imbricado com o setor alimentar e farmacêutico.

A última ameaça global pandêmica da gripe suína representou um crescimento ainda mais explosivo da indústria farmacêutica que já era um dos mais expansivos e poderosos.

Assim como ocorre com outros mercados, ele se reveste de uma hipertrofia excessiva nos países centrais e de uma carência enorme nos países periféricos.

A África tem apenas 1% do mercado farmacêutico, embora tenha epidemias como a da Aids que necessitariam enormemente de medicamentos. Desde o início do século 21, a África do Sul ameaçou desafiar o regime de patentes que impedia a venda barata de produtos monopolizados por grandes laboratórios e começar a produzir genéricos num laboratório indiano. A patente do retroviral stavudine pertence a universidade de Yale (e rende 90% dos royalties dessa universidade, várias centenas de milhões de dólares), mas ela a cedeu em exclusividade para o laboratório Squibb (BMS), que após uma grande disputa ofereceu o medicamento a um preço menor para os africanos mas sem quebrar o seu monopólio.

Esse monopólio de patentes como direito de propriedade intelectual representa uma forma de exclusivismo na circulação do conhecimento e é um dos pilares da forma atual de funcionamento do comércio internacional que favorece a acumulação de capital em detrimento dos interesses sociais da maioria da humanidade.

É possível quebrar monopólios de patentes (cuja duração é de vinte anos), em casos como uma epidemia ou a segurança nacional, mas mesmo na recente pandemia da gripe H1N1 não se colocou em causa a quebra da patente do Tamiflu. Os medicamentos continuam a ser produtos caríssimos e sua obtenção não está incluída nos planos de saúde.

Sabe-se que ao menos 1/4 de todos os remédios da indústria farmacêutica derivam de saberes fitoterápicos de povos tradicionais, que identificaram a maior parte das plantas medicinais e alimentares5. Os povos do mundo, entretanto, não recebem royalties e nem tampouco nunca lhes ocorreu monopolizar esse saber de forma implacável como faz a indústria farmacêutica.

Dentre o conjunto dos medicamentos (que totalizam em média cerca de 15% dos orçamentos de saúde nos países centrais), destacam-se os chamados de psicoativos, que são os indicados para os estados de humor, como promoção da alegria e combate à tristeza; para os problemas mentais, como ansiedade ou falta de concentração; para o aumento do desempenho intelectual ou físico; para a tranquilização, sedação e analgesia; para a excitação sexual, etc.

Existem, portanto, três circuitos de circulação de drogas psicoativas na sociedade. O das substâncias ilícitas compõe um mercado paralelo e clandestino, cujo volume é calculado em torno de 400 bilhões de dólares, alimentado basicamente dos derivados de algumas das plantas mais tradicionais da história da humanidade: a coca, a canábis e a papoula. Cada vez mais cresce também um número de centenas de moléculas sintéticas novas que vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos em laboratórios clandestinos. O montante do faturamento e as consequências sociais em geral associadas a essas drogas – como a violência e alto índice de aprisionamento – decorrem não do efeito específico das substâncias mas, sobretudo, da sua condição de ilegalidade.

O circuito das substâncias lícitas de uso recreacional, como o tabaco, as bebidas alcoólicas e cafeínicas, é regido pela legalidade, trazendo assim problemas relacionados ao uso abusivo ou excessivo e seus efeitos sociais – mas não uma violência intrínseca. É um mercado poderoso, de grandes multinacionais associadas à indústria da alimentação, mas também conhece micro-produtores domésticos ou artesanais. Todas estas substâncias já foram objeto de perseguição e tentativas de proibição. No caso do álcool, provocaram os problemas ligados à chamada “lei seca” que vigorou de 1920 a 1933 nos Estados Unidos.

O circuito que mais notável nas últimas décadas, entretanto, foi das substâncias da indústria psicofarmacêutica, chamados de remédios psicolépticos, psicoanalépticos e psicodislépticos. Desenvolvido especialmente a partir do segundo pós-guerra, é o mais rentável e o que mais tem crescido. É o de circulação mais volumosa, com maior número de consumidores e faturamento. Seus grandes fundamentos são o sistema de patentes, o monopólio médico da prescrição, um mercado publicitário dirigido para quem toma a droga mas também corruptor de quem a ministra (laboratórios que convencem médicos a receitarem os seus produtos). Sua outra contrapartida indispensável é a proibição concomitante do uso de diversas plantas psicoativas de uso tradicional – como a canábis, a papoula e a coca. As funções psicoterapêuticas que estas têm em medicinas tradicionais, passaram a ser substituídas por pílulas farmacêuticas.

* * *

O mercado das substâncias psicoativas controla os mais eficientes instrumentos na luta contra o sofrimento e a busca da alegria. As drogas – não importa se fluoxetina, álcool ou maconha – oferecem a amenização da dor e a intensificação do prazer. Por isso são usadas. E de fato cumprem a promessa – cada uma com suas limitações e preço. Se existem há milênios, é porque não enganam a humanidade: trazem aquilo que nelas é buscado.

Num tempo de aumento de tensões e de sofrimentos psíquicos diversos e complexos, estão disponíveis centenas de moléculas puras, para os mais diversos efeitos. A indústria farmacêutica busca ampliar seu monopólio, substituindo usos de plantas tradicionais por fármacos patenteados, e colonizando cada vez mais a vida cotidiana, oferecendo novos “remédios” para as mais diferentes esferas comportamentais.

O maior número de usuários e dependentes de drogas na sociedade contemporânea são os consumidores de produtos da indústria farmacêutica. As drogas de farmácia também têm usos variados, que podem ser benéficos ou nocivos, equilibrados ou abusivos. Uma parte dos consumidores faz uso abusivo. Cerca de um terço das intoxicações que ocorrem no país, por exemplo, são devidas a drogas da indústria farmacêutica, numa proporção muito maior do que as que ocorrem por causa do uso abusivo de substâncias ilícitas.

Artigo do jornalista Ruy Castro, na Folha de S.Paulo (28/12/09)6, lembrou, a propósito da morte da atriz Brittany Murphy, que muitos outros artistas sofreram, assim como ela, assim como ela, do uso excessivo de remédios legais que os levaram a morte. Foram citados Carmem Miranda, Marilyn Monroe, Judy Garland, Elvis Presley e Michael Jakson.

Só no Brasil, há mais de 32 mil rótulos de medicamentos, com variações de 12 mil substâncias (a OMS considera como realmente necessários 300 itens), vendidos em mais de 54 mil farmácias (uma para cada três mil habitantes, o dobro da recomendação da OMS)7

Uma parte cada vez maior destas drogas são substâncias psicoativas. Entre as principais estão os antidepressivos, as anfetaminas, os benzodiazepínicos, e muitos outros mais. Em 2008 e 2009 o segundo medicamento mais vendido no Brasil foi o benzodiazepínico Rivotril8.

A dependência de remédios, uma forma de consumo compulsivo às vezes chamada popularmente de “hipocondria” é uma característica marcante da relação das pessoas com as drogas. Por serem, por vezes, receitadas por um médico, são chamadas de “remédios”, mas o seu resultado é exatamente o mesmo de qualquer outro consumo compulsivo, podendo levar à efeitos daninhos para o organismo e à dependência e tolerância.

Queixas de mal-estares vagos em pronto-atendimentos são medicadas comumente com benzodiazepínicos, especialmente se as pacientes forem mulheres e donas-de-casa. O uso de moderadores de apetite não só para diminuição de peso mas como estimulante também se propaga, ao ponto do Brasil ser um dos maiores mercados mundiais.

Também é comum o uso de certos produtos farmacêuticos para finalidades distintas das indicadas, devido a seus efeitos colaterais. Xaropes para tosse com codeína, remédios para dor de cabeça como Optalidon, medicamentos para mal de Parkinson como Artane ou mesmo de analgésicos são empregados como drogas para combater dores mais psíquicas do que propriamente orgânicas.

O uso de doses inapropriadas de drogas comuns pode ser extremamente perigoso, é o caso de overdoses da própria aspirina, que um estudo recente de Karen M. Starko apontou poder ser responsável por parte dos mortos na época da epidemia da gripe espanhola, em 19189. Durante a epidemia da gripe suína, chegou a se proibir a veiculação de publicidade de antifebris, para não haver indução à medicação excessiva, desnecessária e muitas vezes perigosa.

Muito além do simples e indefinível efeito farmacológico objetivo, todo remédio também é uma representação que se auto-reforça por meio do efeito-placebo inerente à todo medicamento. O que se vende com o mercado de drogas são modos de produção da subjetividade. Assim o fazem os usuários que as inserem em contextos sociais, cerimoniais e até rituais. Também assim o consideram as agências publicitárias que, ao promoverem álcool, tabaco ou remédios, vendem estados de espírito, modelos de felicidade da alma, humor em pílulas. Mais do que venderem, exacerbam, pois, conforme a hipnótica cantilena publicitária, só há requinte com um cigarro na mão, só há festa com cerveja e decotes generosos, só há felicidade plena com o sono, a ansiedade e a tristeza geridos por meio de doses de pílulas ou elixires.

Por isso os orçamentos administrativos e de marketing das indústrias farmacêuticas são muito maiores que os de pesquisa. Estes sempre são interrompidos após o lançamento do fármaco no mercado, não havendo acompanhamento exaustivo de seus efeitos previstos e colaterais de longo prazo nas populações usuárias. A própria técnica publicitária nasce, desde o final do século XIX, fortemente ligada à venda de medicamentos, tônicos, fortificantes, etc., vendendo estilos de vida mais do que os produtos em si. Até hoje, o setor da venda de drogas (seja álcool, tabaco ou remédios) representa uma das maiores fatias do mercado publicitário internacional e brasileiro.

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De toda a indústria farmacêutica, o setor das drogas psicoativas é não só uma das mais lucrativas como a que teve influência cultural mais significativa. O que pouco se percebe é que paralelamente à emergência de um proibicionismo de certas drogas ocorreu uma exacerbação na compulsão ao consumo de fármacos industriais (assim como também o de alimentos e outras mercadorias).

Os anti-psicóticos, soníferos, tranquilizantes, ansiolíticos e anti-depressivos despontaram desde os anos 1950 como carros-chefes não só da indústria, como de estilos de vida. O uso de pílulas tornou-se um hábito considerado normal, não só como suplementos vitamínicos ou fortificantes mas como reguladores mentais, moduladores psíquicos, capazes de alterar o humor, o sono, a tensão e a motivação.

Junto a cada um dos novos fármacos se construiu uma entidade nosológica nova, para a qual cada medicamento seria o específico terapêutico. O erro central dessa visão psicofarmacêutica é considerar o sintoma (por exemplo, a depressão) como a doença. Ao invés de oferecer uma interpretação do seu sofrimento e de suas causas, uma “narrativa” que lhe desse sentido, como diz David Healy, passou a se oferecer (vender, melhor dizendo) uma pílula miraculosa. Este médico e professor de Medicina Psicológica fez uma análise da emergência da depressão como um quadro clínico e nosológico desde os anos de 1950 – e da concomitante ascensão dos medicamentos antidepressivos como mercadorias de alta lucratividade numa das indústrias que mais floresceu desde o segundo pós-guerra. O livro em que relatou suas observações, The Antidepressant Era (1997), é obra importante para compreender os múltiplos significados dessa era de novas drogas e novas políticas sobre drogas, que abrangem não apenas o universo médico strito sensu, mas também a vida cotidiana cada vez mais medicalizada e farmacologizada.

A partir dos anos 1950, a grande inovação – além dos barbitúricos, para sedação – foram remédios contra a depressão, tais como imipramina, lançada em 1957 sob o nome de Tofranil. Veio a seguir a amitriptilina, lançada em 1961. Nem sequer o escândalo da talidomida, lançada como sedativo e tranquilizante, em 1957, e responsável por mais de seis mil casos de má-formação fetal em grávidas que o usaram, desestimulou o crescente mercado do consolo e do apaziguamento psíquico.

Nos anos 80 e 90 a fluoxetina, sob o nome de Prozac, tornou-se um dos medicamento psicoativos a vender muitos bilhões de dólares e foi o emblema de uma época em que a indústria farmacêutica criava uma nova cultura de dependência de drogas – ao mesmo tempo que se desencadeava uma guerra sem quartel contra algumas drogas ilícitas, muitas delas plantas de usos tradicionais milenares.

Recentemente, a própria suposta eficácia dos anti-depressivos foi questionada, pois nem todos os estudos realizados são publicados. Mesmo entre os publicados, a diferença entre o efeito dos placebos comparado ao efeito dos fármacos é muito pequena, nos casos majoritários de depressões leves10.

Ainda assim, o uso (inclusive infantil) de psicoativos como antidepressivos aumentou vertiginosamente, estendendo-se a um conjunto infinito de condutas a serem supostamente corrigidas pelo medicamento. De enurese noturna até hiperatividade, de insônia a ansiedade, de “pânico social” à “síndrome do pânico”, dentre os tantos novos rótulos que surgem para configurar supostos quadros nosográficos. A OMS profetiza que, em algumas décadas, a depressão será a doença mais incapacitante do mundo, o que por si já é revelador da situação de insustentabilidade que vive o sistema econômico capitalista. Recentemente surgiu até mesmo uma versão veterinária do Prozac para cães.

O uso de drogas na sociedade cresce sobretudo por meio dos remédios legais, cuja publicidade incita a um consumo fetichizado e hipocondríaco, na busca de panaceias químicas para mal-estares sociais e psicológicos.

Uma política realmente democrática em relação às drogas psicoativas seria aquela que legalizasse todas, submetendo-as a um mesmo regime, não importa se remédios sintéticos ou derivados de plantas tradicionais. Ao mesmo tempo, tal política deveria ampliar a severidade dos controles, distintos para cada substância. Toda publicidade em veículos de mídia destinados ao público em geral deveria ser proibida. A fiscalização e punição para consumos irresponsáveis – ao volante, por exemplo – de álcool ou outras drogas, deveria ser rígida.

Outra medida necessária seria a estatização da grande produção e do grande comércio. Ela evitaria que corporações gananciosas dominassem o mercado e garantiria que todos os lucros desse comércio fossem direcionados para fins sociais – inclusive para programas de desabituação para os consumidores problemáticos que necessitassem. Além de uma política em favor dos genéricos e da quebra das patentes farmacêuticas, o Estado deveria garantir a fabricação de todos os fármacos indispensáveis, oferecendo-os ao menor preço possível e aplicando os lucros obtidos no interesse social. Um amplo programa de pesquisa, com financiamento e destinação pública, poderia assim estimular também o desenvolvimento de novos fármacos.

Tais diretrizes deveriam se aplicar tanto aos remédios fisiológicos quanto aos três grupos de substâncias psicoativas consideradas nestes estudo: as da indústria farmacêutica; as recreativas lícitas, como álcool e tabaco; e as hoje consideradas ilícitas. A legalização da maconha, da cocaína e de todas as drogas, sob controle estatal do grande atacado e produção afastaria o atrativo para o crime organizado, permitiria maior monitoramento dos usos problemáticos e encaminhamento dos necessitados a tratamentos. Financiados pela própria renda gerada na venda legal, seriam oferecidos no serviço público de saúde.

Por que não criar-se um Fundo Social – resultado não apenas de impostos, mas do controle econômico estatal da grande produção e circulação de drogas, remédios, bebidas e cigarros? O conjunto do faturamento obtido poderia servir para custear o orçamento de Saúde Pública.

Um leque imenso de iniciativas individuais, familiares, comunitárias e microempresariais poderia ser não só mantido, mas estimulado, no campo do cultivo e da produção dessas substâncias. Produtores de bebidas como vinhos, cervejas ou aguardentes, cultivadores de fumos de qualidade ou canabicultores deveriam ser estimulados com apoio creditício e fiscal.

O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado “narcotráfico”, encerraria a “guerra contra as drogas”, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasil. Seria interrompido o crescimento vertiginoso do encarceramento por drogas, principal fonte de lucros para o sistema penal privado norte-americano e mecanismo de repressão social e racial contra os pobres e os afrodescendentes no Brasil. Reduziriam-se os danos sociais dos usos problemáticos de drogas. Seriam potencializados os usos positivos, tanto terapêuticos como recreacionais.

Os fármacos em geral, e os psicofármacos em particular, oferecem um florescente futuro. Inúmeras novas moléculas poderão ser inventadas, além dos usos diversos que já se podem fazer das substâncias existentes. Isso amplia um repertório que serve a fins terapêuticos, lúdicos, recreacionais, devocionais, de reflexão filosófica, de autoconhecimento e de regulação humoral (os timolépticos). Infelizmente, também pode ser usado de formas autodestrutivas, excessivas, abusivas e descontroladas. Uma cultura da autonomia responsável supõe o uso consciente do potencial de todos os fármacos, que são, como os alimentos, produtos da cultura material que ingerimos para finalidades úteis ao nosso corpo.

Usar as “tecnologias de si” de forma construtiva significa por um lado acabar com a “guerra contra as drogas” e o proibicionismo demonizante de certas substâncias. Mas, por outro, significa recusar os efeitos alienantes de uma cultura publicitária que faz da saúde um negócio e da necessidade das drogas um mercado oligopólico global.

1Dimetrilptamina, princípio ativo do ayahusca, utilizado nos rituais do Santo Daime. Mais informações na Wikipedia

2 Metilenodioximetanfetamina, também conhecida como ecstasy. Verbete na Wikipedia

3 Expressão adotada por Richard Rudgley para denominar as drogas psicoativas em Essential substances. A cultural history of intoxicants in society (N. York, Kondansha, 1993).

4 Cf. IMS Health, 2009.

5Michael J. Balick e Paul Alan Cox, Plants, People, and Culture. The Science of Ethnobotany, N. York, Scientifican American Library, 1997,p.25.

6 Ruy Castro, “Vale das bolinhas”, FSP, 28/12/2009, p.2.

7Jomar Morais, “Viciados em remédios”, Superinteressante, nº 185, fevereiro de 2003, p.44.

8 Segundo IMS Health, o primeiro é uma pílula anticoncepcional.

9“Aspirina pode ter tido um papel na epidemia de gripe de 1918”, Nicholas Bakalar (New York Times), in Folha de S.Paulo, 13/10/2009.

10Effectiveness of antidepressants: an evidence myth constructed from a thousand randomized trials?”, John P. A. Ioannides, in Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine, 3:14, 27 de maio de 2008.

Henrique Carneiro é historiador, bacharel, mestre e doutor em História Social pela USP. Professor na cadeira de História Moderna no Departamento de História da USP (Universidade de São Paulo), é também pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP). Publicou seis livros e diversos artigos para jornais e revistas acadêmicas (ver aqui). Sua linha de pesquisa atual aborda a história da alimentação, das drogas e das bebidas alcoólicas.

Bibliografia:

BALICK, Michael J.; e COX, Paul Alan, Plants, People, and Culture. The Science of Ethnobotany, N. York, Scientifican American Library, 1997.

HEALY, David, The Antidepressant Era, 1997, Harvard University Press, 1997.

IMS HEALTH www.imhshealth.com

MOYNIHAM, Ray; e CASSELS, Alan, “Comerciantes de enfermedades” in Le Monde Diplomatique Ed. Chilena, Santiago, 2006.

RUDGLEY, Richard, Essential substances. A cultural history of intoxicants in society, N. York, Kondansha, 1993.

Fonte: Outras Palavras, em 09/05/2011