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quarta-feira, 27 de abril de 2011

1817, A revolução que implantou a república no Nordeste

Nenhuma região do Brasil, em tempos coloniais, no Império ou sob a República, foi palco de tantas rebeliões quanto o Nordeste brasileiro. Desde o limiar da colonização, quando Arcoverde, o grande chefe tabajara, insurgiu-se contra Duarte Coelho Pereira, que intentou usurpar terras de sua aldeia, até os movimentos dos trabalhadores contra o arbítrio instalado no País pelo Movimento Militar de 1964, os nordestinos inscrevem seus nomes na História Pátria com ousadia e destemor; às vezes com o próprio sangue. Assim foi com os republicanos libertários de 1817 e 1824, assim foi também com o místico Antônio Conselheiro e seguidores que não engoliram a república militarista nascida de golpe de Estado contra o governo constitucional. O emblemático movimento rebelde de 1817, prenunciador da Revolução do Equador ocorrida sete anos depois, é o tema sobre o qual discorremos neste texto. Lugar de honra deve ocupar este momento na História do Brasil, tanto pela intensidade do evento conspiratório em terras pernambucanas quanto pela feição de luta pela liberdade e consecução de sagrados direitos de cidadania, já naquela época gravados nos corações de um povo cheio de esperança e idealismo, além de movido por inquebrantável espírito patriótico.

Não há conspiração que alcance as graças do povo sem que haja motivação social e econômica para deflagrá-la. Pelo bem ou pelo mal, todo ato de rebeldia assenta-se em condicionantes sócioeconômicas que visam a mudanças no status quo. Quase sempre as insurreições fundam-se nas insatisfações com governos incapazes, injustos, arbitrários. Estes, com efeito, foram motivos para que um grupo de insatisfeitos com os rumos do governo da capitania de Pernambuco, comandada por Caetano Pinto Montenegro, tomasse a iniciativa de liderar um processo de insurgência, sobretudo contra os impostos exorbitantes, a partir do ano de 1816.

Tudo começou, anos antes, no limiar do século XIX quando o dr. Manuel de Arruda Câmara fundou em Itambé, lugar então limítrofe com a Paraíba, um clube denominado Areópago, uma referência ao famoso tribunal ateniense em que eram julgadas as causas de interesse do povo. O objetivo primordial do clube era lutar pela independência do Brasil consoante os parâmetros liberais, cujas influências provinham da Revolução Francesa. Então, de fato, pode-se afirmar que a revolução de 1817 teve um caráter liberal e teve sua gênese no clube fundado pelo dr. Arruda Câmara.

Açodados os espíritos pelos ventos da Revolução Francesa, cujo viés libertário se espargia por toda a América Latina, especialmente pelas províncias do Nordeste brasileiro, eis que de propósito retorna ao Recife, vindo da Inglaterra, o comerciante brasileiro Domingos José Martins, que mantinha prósperos negócios em Londres. Influenciado pelo convívio com uma monarquia constitucional e democrática, este homem era ardoroso defensor das liberdades públicas e dos direitos humanos, tendo sua chegada a Pernambuco incendiado a alma dos patriotas que ansiavam pelo rompimento dos laços entre Brasil e Portugal. Domingos José Martins conseguiu, em pouco tempo, articular um movimento cívico-militar do qual participavam importantes personalidades da sociedade pernambucana, gente bem informada e capaz, disposta a sacrificar a vida pela causa da liberdade.

Em face do crescimento da conspiração, pois nas ruas se falava abertamente em independência e república, o governador Caetano Pinto Montenegro reúne emergencialmente, no dia 6 de março de 1817, os chefes militares que lhe deviam lealdade, para mostrar-lhes o perigo em que encontrava-se o governo em face dos acontecimentos conspiratórios que haviam se alastrado a olhos vistos, ganhando o apoio de considerável parcela da população. Na reunião convocada pelo governador decidiu-se, de logo, que o Marechal José Roberto se encarregaria de providenciar a detenção do movimento, aprisionando os civis, enquanto os militares seriam presos pelos superiores hierárquicos. Domingos José Martins foi o primeiro a ser recolhido à Cadeia Pública da Cidade do Recife.

A bravura do capitão Barros Lima, o Leão Coroado

A revolução vinha sendo preparada há vários anos e o espírito rebelde já tomara conta da população. A inabilidade de um comandante, no entanto, constitui motivo para a antecipação dos acontecimentos. O 6 de março não era a data aprazada para a deflagração dos atos rebeldes, mas o dia seguinte. O destino é que muda o rumo da história. No Regimento comandado pelo Brigadeiro Manuel Joaquim Barbosa de Castro, homem de têmpera rústica, havia dezenas de oficiais que pautavam pela revolução.

Ignorante e rude, Barbosa de Castro entende que o Brasil não é uma nação, mas uma fazenda de Portugal e seus moradores deviam ser tratados a chicote. Ele os tratava com desprezo e, sempre que havia oportunidade, atacava-os, ferindo-lhes a dignidade. Incumbido de prender os conspiradores seus subordinados, reúne a tropa no pátio do quartel e, em vez de cumprir de imediato a missão de que estava incumbido, resolve fazer um longo discurso para afrontar os oficiais brasileiros. O Capitão Domingos Teotônio eleva um brado de protesto, tendo sido preso imediatamente e levado à masmorra pelo Capitão Antônio José Severiano.

Não tendo havido qualquer reação por parte dos demais oficiais ante a prisão do companheiro, pareceu ao Brigadeiro Barbosa de Castro que a razão estava com ele e que os brasileiros não passavam de pusilânimes. Destarte, continua sua falação desatinada, norteada pela insolência. A poucos passos estava perfilado e atento o Capitão José de Barros Lima. O Brigadeiro aproxima-se do subordinado e lhe dá voz de prisão. Sequer termina de falar e Barros Lima, com rapidez meteórica, empunha a espada e enterra-a no peito de Barbosa de Castro. Quatro estocadas. O Brigadeiro, peito a sangrar, cai ao chão já sem vida. A cena foi tão rápida que ninguém conseguira impedir o ato de bravura do Capitão José de Barros Lima, cognominado com justiça de Leão Coroado. O Capitão Pedro da Silva Pedrosa assume o comando do quartel, de vez que todos os militares portugueses ali destacados fugiram em debandada.

A revolução explode na tropa e nas ruas

Informado dos acontecimentos, o governador Caetano Montenegro, sobressaltado, envia o Tenente-coronel Alexandre Tomás para debelar a revolta no quartel onde o Leão Coroado havia dado cabo da insolência do comandante. Imprudente, o coronel julga-se capaz de deter o incêndio revolucionário que toma conta do quartel e dá ordens destemperadas, semelhantemente ao brigadeiro morto. O Capitão Pedrosa manda que ele se cale. O coronel não obedece e é morto pela tropa. Em fúria, a onda revolucionária se espalha por toda a cidade. Tumulto, algazarra, gritos sediciosos, pessoas do povo, revoltadas, espancam portugueses. Soam clarins e tambores, disparam-se tiros, bimbalham o sino das igrejas em sinal de que a revolução está nas ruas. Patriotas exaltados discursam nas praças e concitam o povo a aderir à revolta. O governo está à deriva.

O governador Caetano Montenegro não consegue mais dominar a situação, seus seguidores fogem. Ele mesmo procura refugiar-se na Fortaleza do Brum, para rearticular a defesa do governo. É tarde demais, porque os revolucionários que haviam sido presos já estão todos na rua, incitando a população. Os portugueses, no entanto, ainda insistem na resistência e homiziados no Arco da Conceição intentam destruir a ponte de Santo Antônio, no que são impedidos pelo Tenente Antônio Henriques, que os desaloja de suas posições. Os bairros Boa Vista, São José e Santo Antônio, de Recife, já foram dominados pelos rebeldes. Só a Fortaleza do Brum, onde estão o governador e membros de seu staff, mantém-se incólume. No dia seguinte, 7 de março, à frente de cerca de 800 homens o Capitão Domingos Teotônio concentra-se em frente ao quartel-general em que está o governador que, em face das circunstâncias, não tinha outra alternativa a não ser a capitulação. Ele e todos os que o acompanhavam entregam-se aos revolucionários. O governador Caetano Montenegro tem seus direitos respeitados e é enviado para o Rio de Janeiro.

Junta governativa ganha apoio popular

Assenhoreados do governo da província, de imediato, os revolucionários formaram uma Junta Governativa na qual figuravam Domingos José Martins, Domingos Teotônio, padre João Ribeiro, José Luís de Mendonça e Manoel Correia de Araújo. Para auxiliar no exercício de governo foi criado também um Conselho Consultivo, no qual assoma a figura de Antônio Carlos de Andrada, nome que mais tarde figura entre os proclamadores da independência do Brasil. A Junta Governativa, sem delongas, declara Pernambuco separado de Portugal e adota medidas moralizadoras para conquistar o apoio das massas insatisfeitas com a Coroa portuguesa. Dentre as resoluções publicadas, está a que não permite que os membros da Junta recebam salários e a que abole castigos humilhantes a prisoneiros.

As capitanias da Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte não tardam a aderir à revolução vitoriosa e o padre José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, o padre Roma, é enviado à Bahia com o fito de conseguir a adesão daquela província. Roma cometeu a ingenuidade de demorar-se em pregação republicana nas Alagoas e, ao chegar a Salvador, não lhe foi dado sequer desembarcar, porque sabedoras dos acontecimentos em Pernambuco, as forças portuguesas da cidade prenderam o padre no navio que o levou à Bahia.

O jovem e entusiasta padre José Martiniano de Alencar, no ardor da mocidade, vai ao Crato, no Ceará, e consegue êxito na pregação republicana junto ao povo, proclamando a independência na Região do Cariri cearense. Mas, paradoxalmente, não demora ser preso e despachado para Fortaleza. Nesse ínterim, o governo central, no Rio de Janeiro, toma medidas para sufocar a revolta. Os líderes do movimento revolucionário em Pernambuco, apercebendo-se do perigo iminente, resolvem armar-se como pátria independente e enviam aos Estados Unidos Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, cuja missão era comprar armas e conseguir do governo norte-americano o reconhecimento da nova república sul-americana.

Dificuldades e tropeços do movimento revolucionário

Ciente da gravidade da situação em Pernambuco e províncias circunvizinhas, o governo central decide adotar medidas rigorosas para acabar com a sublevação. No dia 2 de abril, envia à área conflagrada uma esquadrilha de quatro navios sob o comando do chefe de Divisão, Rodrigo Lobo. Para auxiliá-lo na empreitada, é designado o tenente-general Luís Rego, a quem entregam uma frota de dez barcos com tropas armadas. A este é dada ainda a incumbência de chefiar a campanha militar e retomar o governo de Pernambuco. Essas tropas cercam a cidade do Recife por terra e por mar, de modo que nada entrava e nada saía sem o consentimento de Rodrigo Lobo. A situação dos revolucionários começa a ficar insustentável. Como se não bastasse, o intrépido Conde dos Arcos, governador da Bahia, fidelíssimo ao rei, envia ao interior de Pernambuco grande contingente de soldados que fecha todos os caminhos que levam a Recife e vilas das imediações.

Os revolucionários do Rio Grande do Norte e da Paraíba carecem de reforços que nunca chegaram. Daí é que, fenecido o entusiasmo inicial e diante da escassez de apoio logístico, essas capitanias retornam à obediência ao governo central. No Ceará, a vitória inicial no Cariri foi fugaz e os republicanos caem em completa desgraça, ocorrendo o mesmo nas Alagoas. Em Pernambuco, os rebeldes sozinhos e cercados por todos os lados, lutam desesperadamente para salvar a revolução que parecia vitoriosa junto ao povo. Enquanto Cabugá não chega com as armas compradas nos Estados Unidos, a liderança revolucionária tenta convencer o povo a formar batalhões patrióticos. O desespero chega a tal ponto que os chefes da revolução determinam a evacuação da ilha-presídio de Fernando de Noronha. Guarnição e presos devem ser transferidos para Recife para lutarem contra as forças portuguesas. A iniciativa não vinga. O povo, a esta altura, não mais demonstra entusiasmo para defender o movimento. O desânimo total chega ao seio da população quando a Junta Governativa decreta o recrutamento geral sob pena de morte para os desobedientes.

Por outro lado, os ricos que inicialmente definem-se pela revolução, agora ficam contra ela em razão do decreto que torna livres cerca de mil escravos, convocados a lutar em defesa da república cambaleante. Faltam víveres, tudo está escasso. Muitas famílias, amedrontadas, fogem de Recife e Olinda. E para aumentar o desespero chega a notícia de que a tropa de Domingos José Martins fora destroçada às margens do riacho Merepes pelas forças do português Antônio dos Santos. Com a prisão de Domingos Martins, esfacela-se a Junta Governativa, que agora está composta apenas pelo padre João Ribeiro e por Domingos Teotônio, uma vez que, profundamente decepcionados com o rumo dos acontecimentos, o dr. José Luís de Mendonça e o coronel Correia de Araújo desistem da luta. Do Conselho Consultivo só dois membros dão sinal de vida: o dr. Pereira Caldas e o desembargador Antônio Carlos.

A mensagem do desespero na hora da derrota

No dia 25 de abril, sabedor das condições adversas em que estavam os revolucionários, Rodrigo Lobo aporta em Recife com os seus quatro navios de guerra. Exige a capitulação da Junta Governativa, mas esta não deseja fazê-lo com desonra e faz do ouvidor José da Cruz Ferreira emissário de intermediação em que o governo republicano demonstra interesse em entregar as armas, desde que seja concedida anistia a todos os rebeldes bem como direito de saírem do País quando assim o entenderem. Rodrigo Lobo, em vantajosa posição militar, diz que a capitulação deve ser sem qualquer concessão da parte do governo português. O ouvidor contra-argumenta.

Os revolucionários ainda dispunham de armas e de prisioneiros, cujo destino pode ser trágico caso o comandante português permaneça impassível. Rodrigo Lobo não contemporiza. O ouvidor retorna à terra com a angustiosa notícia e, em face da arrogância do comandante português, os patriotas que ainda estão dispostos a lutar concedem poderes ditatoriais a Domingos Teotônio, que insiste, por intermédio do ouvidor, na proposta de rendição com anistia e pede resposta até 13 de maio, sem a qual ele mandará degolar todos os prisioneiros, tanto oficiais militares quanto civis do partido do Rei.

No desespero da derrota, o agora ditador Domingos Teotônio ameaça: os bairros Santo Antônio e Boa Vista, de Recife, serão arrasados e incendiados caso sua proposta não seja aceita. E mais: todos os portugueses de nascimento serão passados à espada. Arrastam-se as tensas negociações, que soam mais como um rosário de ameaças de ambos os lados. Chega o dia 18 de maio, sem que solução plausível tenha sido alcançada. Continua o aterrorizante impasse.

A desolação do exército revolucionário em retirada

Domingos Teotônio não era louco e jamais cometeria as atrocidades que prometera. Estava blefando, mas Rodrigo Lobo não cai na armadilha discursiva. Na manhã do dia 19 de maio de 1817, a população de Recife vê compungidamente uma cena dolorosa. O exército revolucionário, um séquito de homens cansados e famintos, marcha na direção da Soledade e, depois, ruma para Olinda. Ninguém tem ideia ao certo do que está ocorrendo. A cena é verdadeiramente desoladora. Um alquebrado Domingos Teotônio, rosto a estampar imenso desânimo, vai a cavalo à frente da tropa. A pé, descalço e maltrapilho, segue o padre João Ribeiro Pessoa de espingarda a tiracolo. Mais atrás, também descalço, cabisbaixo, marcha o padre Pedro de Sousa Tenório; a acompanhá-lo o desembargador Antônio Carlos, não menos entristecido do que os demais. Nesta tarde não se ouve mais qualquer barulho ou som de tambores ou clarins. Tudo é tristeza e silêncio nessa marcha pesarosa, semelhando um cortejo fúnebre.

A vitória do rei e a angústia dos vencidos

No dia 20 de maio de 1817, aquela mesma turba que foi às ruas espancar portugueses e festejar a vitória dos revolucionários, há cerca de dois meses, agora esparge sua euforia em face da vitória do partido do rei e da derrota dos insurretos. Da forma como ocorreu no primeiro momento, grupos de desordeiros invadem e saqueiam as casas dos chefes da rebelião. Há incêndios e muitos gritos de vivas ao rei. Os portugueses, novamente senhores da cidade, invadem as prisões e libertam seus patrícios presos pela revolução. À tardinha, o comandante Rodrigo Lobo desembarca com seu estado-maior. Troam canhões no forte, repicam sinos nas igrejas, a multidão patrocina o foguetório e grita vivas aos vitoriosos. Tão logo põe os pés no solo pernambucano, Rodrigo Lobo assume o governo da província.

A tropa rebelde vencida está acantonada no Engenho Paulista, em Olinda. Dali ouve com angústia o troar da artilharia, o repique dos sinos e o foguetório em louvor dos vencedores. Era para mais de meia-noite quando os chefes revolucionários reúnem-se em conselho e decidem que, a partir daquele momento, cada um deve seguir o rumo que melhor lhe convier. Ao amanhecer, nada resta do que há poucas horas ainda tinha uma feição de tropa regular e disciplinada. Cada revolucionário tomou o caminho que lhe pareceu mais conveniente.

Castigos humilhantes e execuções para punir os derrotados

Derrotada a revolução, o castigo é implacável contra os que se sublevaram ao poder do rei. Os fugitivos são caçados em todos os lugares. Domingos Teotônio e o padre Miguelinho, mesmo disfarçados, são reconhecidos e postos a ferro. O desembargador Antônio Carlos entrega-se sem resistência. O dr. Luís Mendonça também apresenta-se espontaneamente ao governador militar. Domingos José Martins é preso sem dificuldades. Muitos outros comprometidos com os ideais e lutas da revolução são postos atrás das grades e, depois, os principais enviados ao Rio de Janeiro.

No dia da partida para a Corte, os prisioneiros são objeto de desrepeito e humilhação. Obrigados a passear pelas principais ruas de Recife carregados de ferros, ao chegarem aos navios têm de suportar os insultos dos portugueses, cara a cara. Nos porões dos navios, são colocadas algemas nos braços e grilhões nos pés, além de uma argola de ferro a apertar-lhes o pescoço, com a qual ficam presos a um torno fixado no chão. Tal situação impede-lhes de ficar de pé. Para aumentar-lhes a tortura, dava-se-lhes comida salgada e nenhuma gota d’água.

Chegados a Salvador, foram entregues a um dos piores carcereiros da época, conhecido pela impiedade com que tratava os presos. Antônio José Correia era partidário do rei até a medula e esforçava-se em ser cruel. Tinha prazer em atormentar e enforcar os condenados por rebeldia. No caso em tela, ele teve esse prazer pouco tempo depois da chegada dos prisioneiros a Salvador. No Campo da Pólvora, diante de uma multidão aterrada, Domingos José Martins, José Luís Mendonça e pe. Miguelinho foram executados sem dó nem comiseração.

O mais terrível matador de revolucionários

Nomeado governador e capitão-general de Pernambuco, com poderes ilimitados, o brigadeiro Luís Rego Barreto trata de dar celeridade aos processos contra os prisioneiros e, concomitantemente, cria uma atmosfera de terror para dissuadir qualquer intento rebelde. Segundo ele, “é preciso liquidar na forca a canalha liberal”. Com efeito, a forca foi usada inúmeras vezes sob o governo desse tirano. O primeiro a ser condenado sob seu comando foi o cadete Antônio Henriques, que desafiou os juízes e bradou abraçado ao carrasco: “Viva a Pátria brasileira”. Luís Rego mandou expor a cabeça dele na ponte de Recife. Também Domingos Teotônio, padre Pedro de Sousa Tenório e José de Barros Lima, o Leão Coroado, perdem a vida no laço da forca.

Luís Rego não se satisfaz apenas em justiçar os revolucionários. Corta-lhes a cabeça, as mãos, e manda expô-las em lugares públicos. A cabeça de Domingos Teotônio, por exemplo, é exposta na Soledade e as mãos, no quartel. As mãos de Barros Lima ficam por longo tempo expostas no quartel e a cabeça apodrece exibida numa praça de Olinda. As mãos do padre Tenório são levadas para Goiana e a cabeça para Itamaracá. O resto do cadáver fica em Recife e ainda assim o delirante governador manda que se amarre o que sobrou do corpo à cauda de um cavalo e o faça perambular pelas ruas da capital pernambucana para que sirva de exemplo a quem porventura pense em rebeldia contra a Coroa.

Por ter sido a Paraíba a primeira província a aderir à revolução, claro que os patriotas praibanos devem ser os primeiros a serem submetidos a severa punição, segundo a tétrica filosofia de Luís Rego. Cinco mártires da Paraíba perdem a vida por enforcamento: José Peregrino Xavier de Carvalho, Amaro Gomes da Silva Coitinho, Francisco José da Silveira, Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão e padre Antônio Pereira de Albuquerque. O jovem José Peregrino, de apenas 19 anos, não tem melhor destino. E ainda salgam-lhe a cabeça e as mãos, expondo-as em locais públicos. O resto do corpo tem o mesmo destino do padre Tenório. Assim terminam quase todos os inconfidentes de 1817, revolução que abriu caminho para despertar a inquebrantável vontade de libertar o Brasil do domínio português. O que, efetivamente, veio a ser realizado apenas cinco anos depois, por ironia do destino, em ato protagonizado por português de nascimento, o príncipe dom Pedro. Todavia, a chama republicana reacendeu-se em 1824, com a deflagração da chamada Revolução do Equador. Esta, embora igualmente não tenha logrado êxito, configura mais uma semente plantada no imenso canteiro de luta pela liberdade em que se tranformou a história do Brasil.

A invejável integridade de um chefe liberal

Nos dias que correm, são poucos os homens que agem igualmente ao capitão Manuel de Azevedo, um dos chefes revolucionários de 1817. Depois que o exército rebelde convenceu-se da inutilidade de continuar lutando e retirou-se para Olinda, Domingos Teotônio, por precaução, levou os cofres que guardavam os valores da província. Esses cofres foram confiados ao capitão Manuel de Azevedo, que poderia ter se apoderado dos recursos ali contidos ou usado da forma que bem lhe aprouvesse. Nada fez Azevedo que não o que a sua consciência de homem probo e honrado lhe ditou. Enviou os cofres ao governador da província, Rodrigo Lobo, seu inimigo.

O símbolo da nova pátria republicana

Vencedora a revolução e deportado para o Rio de Janeiro o governador deposto, os revolucionários cuidaram de criar um estandarte da Pátria que a revolução fez nascer. Composta de duas cores, azul e branco, a bandeira apresenta na parte azul um sol nascente e um arco-íris encimado de uma estrela. Na parte branca, uma cruz vermelha.

Os cabeças que deram início à insurreição

Militares e civis formaram o grupo inicial que liderou a Revolução de 1817. Entre os civis, contam-se Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabungá; José de Bourbon, Vicente Ribeiro dos Guimarães Peixoto; os padres João Ribeiro Pessoa Montenegro, professor de Desenho, e José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, cognominado padre Roma; padre Miguel Joaquim de Almeida Castro, conhecido como padre Miguelinho, e Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, mais conhecido popularmente como frei Caneca.

Ao exército regular pertenciam, entre outros, os capitães Domingos Totônio Jorge, José de Barros Lima, o Leão Coroado; e Pedro da Silva. Em outros postos estavam José Mariano de Albuquerque, Antônio Henrique Rabelo e Manuel de Sousa Teixeira.

Fonte: Revista Nordeste XXI

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Obra de drenagem revela porto de tráfico de africanos escravizados no Rio de Janeiro

Tesouros do Brasil Imperial estão sendo revelados por uma obra de drenagem na Zona Portuária do Rio de Janeiro. Há pouco mais de um mês funcionários da prefeitura carioca encontraram duas importantes referências do século XIX: o Cais do Valongo – onde desembarcaram mais de um milhão de negros escravizados; e o Cais da Imperatriz – construído para receber Teresa Cristina, que se casaria com Dom Pedro II.

Foto: Divulgação/Museu Nacional-UFRJ
Marco de identificação do calçamento do Cais do Valongo, revelado pelas obras

O tesouro arqueológico estava escondido sob a Avenida Barão de Tefé da Zona Portuária há pelo menos um século. A estrutura do antigo Cais da Imperatriz surgiu com as escavações para a revitalização do local e, logo abaixo dele, surgiram também evidências do que seria o Cais do Valongo, o maior porto de chegada de escravos do mundo.

PESQUISA

No início, a equipe do Museu Nacional / Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que acompanhava a obra não tinha sequer certeza da existência do Valongo. “Não sabíamos se havia sido completamente destruído ou se dele restava ainda algum vestígio”, afirmou Tânia Andrade Lima, pesquisadora responsável pelas escavações, em documento encaminhado à Fundação Cultural Palmares.

Segundo o relatório, os achados representam mais que as pedras lavradas que compõem os calçamentos dos cais. Foram encontrados vestígios de cultura de grupos africanos e afrodescendentes, como cachimbos de cerâmica, búzios usados em práticas religiosas e botões produzidos a partir de ossos de animais. A descoberta é considerada de grande relevância para o resgate e a manutenção das memórias da cidade e do país.

PRESERVAÇÃO

Agora, o governo carioca pretende mostrar ao mundo o lugar onde desembarcaram milhares de homens, mulheres e crianças vindos de África para mudar definitivamente a face e a cultura do povo brasileiro. Para isso já se fala na criação de um memorial que armazene o material encontrado e o histórico da rotina que se seguiu da chegada à venda dos escravizados.

Enquanto as possibilidades são discutidas, a idéia é integrar as descobertas históricas ao novo desenho urbano local, criando um centro de visitação. Já os trabalhos de identificação, caracterização e preservação seguem minuciosos nos laboratórios da UFRJ, ao mesmo tempo em que a prefeitura instala as novas galerias pluviais, desviando o percurso das manilhas, para não destruir o antigo cais.

Foto: Divulgação/Museu Nacional-UFRJ
Botões produzidos a partir de ossos de bovinos cortados com ferramenta circular


Foto: Divulgação/Museu Nacional-UFRJ
Cachimbo de cerâmica feito e utilizado por negros escravizados


Foto: Divulgação/Museu Nacional-UFRJ
Búzios utilizados nas práticas religiosas


Foto: Divulgação/Museu Nacional-UFRJ
Paralela do Cais da Imperatriz sobre o Cais do Valongo

Fonte: Palmares Fundação Cultural, em 14/04/2011